Depois da facilitação dos despedimentos, já operada na última revisão do Código de Trabalho, o governo e o patronato pretendem agora embaratecer os custos com as indemnizações por cessação do contrato de trabalho/despedimento e por caducidade dos contratos a termo. Segundo a argumentação utilizada, a redução das indemnizações irá estimular a criação de emprego, pois reduzirá “o risco de custos de reestruturação empresarial”. Estas pretensas “soluções” não têm como objectivo as reestruturações produtivas, nem a criação de emprego, antes visam tornar mais baratos os despedimentos e substituir trabalhadores efectivos por trabalhadores precários, numa situação que não é vantajosa para nenhum trabalhador.

 

 

 

 

Despedimentos, precariedade e desemprego:
a realidade portuguesa

 

Depois da facilitação dos despedimentos, já operada na última revisão do Código de Trabalho, o governo e o patronato pretendem agora embaratecer os custos com as indemnizações por cessação do contrato de trabalho/despedimento e por caducidade dos contratos a termo.

Segundo a argumentação utilizada, a redução das indemnizações irá estimular a criação de emprego, pois reduzirá “o risco de custos de reestruturação empresarial”. Estas pretensas “soluções” não têm como objectivo as reestruturações produtivas, nem a criação de emprego, antes visam tornar mais baratos os despedimentos e substituir trabalhadores efectivos por trabalhadores precários, numa situação que não é vantajosa para nenhum trabalhador.

A ideia base é a mesma de sempre. A legislação do trabalho é rígida, não permite flexibilidade no despedimento e por isso o país não se moderniza nem cresce. Segundo essa tese, se as empresas puderem despedir irão contratar mais trabalhadores. No entanto, se olharmos quer para os dados estatísticos da evolução do mercado de trabalho, quer para a experiência passada das reestruturações, verificamos que nem o mercado de trabalho português é pouco flexível, nem as empresas têm feito reestruturações criadoras de emprego, tendo Portugal sido um dos países que mais destruiu emprego durante a crise económica.

Por outro lado, afirmam querer aproximar a nossa legislação à de outros países com os quais estamos em concorrência directa, nomeadamente a Espanha, copiando para tal algumas das medidas adoptadas nesse país que são gravosas para os trabalhadores e nada resolvem em termos do emprego. A Espanha é o país da União Europeia com a taxa de desemprego mais elevada (cerca de 20% em termos globais e 41% entre os jovens) e é o segundo país com maior incidência de precariedade no emprego.

Portugal foi dos países que mais destruiu emprego durante a crise económica

A actividade económica em Portugal começou a diminuir no 2º trimestre de 2008, tendo o país entrado em recessão técnica no 3º trimestre desse ano. Nesse trimestre a maioria dos países da União Europeia apresentava quebras no PIB, tendo a crise atingido o seu auge nos dois trimestres seguintes.

Portugal passou de uma taxa oficial de desemprego de 7,3% no 2º trimestre de 2008 para perto de 11% no 3º trimestre de 2010, encontrando-se neste momento entre os países com maior taxa de desemprego. Entre os jovens com menos de 25 anos a taxa de desemprego passou de 14,3% para 23,4%.

O número de desempregados cresceu 200 mil, passando de cerca de 410 mil para 609 mil em termos oficiais, embora na realidade os desempregados sejam mais de 760 mil e a taxa de desemprego real de 13,5%.

O desemprego de longa duração (mais de 1 ano) atingiu os 56% do total no 3º trimestre do ano passado, abrangendo cerca de 340 mil pessoas em termos oficiais. O desemprego de muito longa duração (mais de 2 anos) atinge pelo menos 181 mil pessoas, representando quase 1/3 do total.

No período em análise foram destruídos mais de 264 mil empregos no nosso país. A taxa de emprego entre os 15 e os 64 anos desceu 3 pontos percentuais, passando de 68,6% para 65,5%.

A resposta do emprego ao declínio do PIB foi mais pronunciada nalguns estados-membros. Segundo o relatório Emprego na Europa 2010, Portugal foi o segundo país que mais perdeu emprego devido à crise, logo a seguir à Espanha. O gráfico seguinte indica que, entre o 2º trimestre de 2008 e o 1º trimestre de 2010, por cada 1% de quebra no PIB o emprego se reduziu 1% no nosso país. Conclui-se, portanto, que o mercado de trabalho é suficientemente flexível face à actividade económica.

Variação do emprego em resposta à variação do PIB

entre o 2º trimestre de 2008 e o 1º trimestre de 2010

Fonte: Eurostat, Contas Nacionais. Cálculos da Comissão Europeia[1].

No eixo dos y: percentagem de variação do emprego por variação de 1% do PIB.

Os contratos a prazo e os despedimentos não criam emprego

O emprego reduziu-se quer por via da não criação de novos postos de trabalho, quer da não renovação de contratos a termo e dos despedimentos efectuados.

Em Portugal há cerca de 900 mil trabalhadores com contratos não permanentes, abrangendo 23% dos trabalhadores por conta de outrem. Estes são os números que se conseguem apurar com certeza segundo as estatísticas oficiais. No entanto, os trabalhadores em situação precária serão muitos mais, uma vez que parte significativa dos cerca de 830 mil trabalhadores por conta própria isolados são na realidade trabalhadores por conta de outrem com falsos recibos verdes.


Ao longo de 2010 o fim dos contratos a termo, cujas indemnizações o governo quer reduzir a par das devidas por despedimento colectivo, extinção do posto de trabalho e inadaptação, conduziu ao desemprego mais de 253 mil trabalhadores, correspondendo a 39% das novas inscrições nos centros de emprego. Já os despedimentos deram origem a 106 mil novos desempregados, com um peso de 17% no desemprego. Só estes dois motivos explicam 56% do novo desemprego.

Ao mesmo tempo os indicadores apontam para uma redução do emprego na ordem de 1% no espaço de um ano. Usando dados comparáveis, observa-se a perda de 54 mil postos de trabalho entre o 3º trimestre de 2009 e o mesmo trimestre de 2010.

Do mesmo modo, a generalidade das reestruturações efectuadas no nosso país não tiveram como objectivo a criação de emprego.

Segundo dados da Fundação Dublin[2], desde 2002 terão sido despedidos mais de 56 mil trabalhadores devido a reestruturações em Portugal, estando previstas apenas 45 mil contratações, o que resulta numa perda líquida de cerca de 11 mil postos de trabalho. Salienta-se, no entanto, que estes dados mostram apenas uma parte das reestruturações efectivamente realizadas, uma vez que incluem apenas as anunciadas na imprensa e que envolvam 100 ou mais trabalhadores.

A maioria dos postos de trabalho destruídos (44%) teve origem em reestruturações internas, seguindo-se as falências/encerramentos, que explicam 38% dos despedimentos. A indústria transformadora foi responsável pela maior parte dos anúncios de despedimentos (cerca de 41 mil), seguindo-se os transportes e comunicações (cerca de 10 mil) e os serviços financeiros (2,5 mil).

Assim sendo, as reestruturações realizadas ao longo da última década conduziram ao afastamento precoce de muitos trabalhadores do mercado de trabalho, destruíram muitos postos de trabalho no sector produtivo e trouxeram custos acrescidos à segurança social, quer devido ao pagamento de subsídios de desemprego, quer de reformas antecipadas.

Os salários são baixos e os custos salariais são apenas uma parte dos custos totais das empresas

A descida das indemnizações por cessação do contrato de trabalho/despedimento e por caducidade dos contratos a termo enquadra-se numa ofensiva mais geral de ataque aos direitos dos trabalhadores e aos salários em particular. Até porque o peso das indemnizações por despedimento é de apenas 0,1% do total dos custos do trabalho [3] .

Argumenta-se com a fraca competitividade das empresas portuguesas para tentar baixar salários, sem se actuar sobre os factores realmente determinantes, os chamados factores dinâmicos da competitividade, que incluem a produtividade, a qualidade, a gestão estratégica, a inovação, a qualificação, a capacidade de desenvolver novos produtos e processos, etc. A melhoria destes factores exige o aumento dos salários e não o contrário. 

Os custos com o pessoal são uma pequena parte do total dos custos das empresas não financeiras (13%[4]), além de são dos mais baixos no contexto da zona euro e mesmo mais baixos que a média da União Europeia.

Senão vejamos, os ganhos brutos horários são de 7 euros em Portugal, sendo apenas metade dos verificados da zona euro e 52% dos observados em toda a União Europeia. Esta situação não deverá ter melhorado, uma vez que não tem havido aproximação dos salários dos portugueses em relação à média comunitária. O índice de custos de trabalho evoluiu negativamente no 3º trimestre de 2010 (em 0,5% em termos homólogos) e teve uma variação inferior à da União Europeia no 2º trimestre do ano passado (+1,3% face a 1,6% em termos homólogos).

Ganhos brutos horários, em euros, 2006

 

Total (excepto agricultura, pescas, administração pública, serviços domésticos)

Indústria

Comércio, transportes e comunicações, serviços às empresas e serviços financeiros

Educação, saúde, serviços sociais pessoais

UE 27

13,38

12,19

13,34

14,81

Zona Euro (16)

13,99

13,84

13,34

15,34

Portugal

7,00

5,15

7,08

9,55

Fonte: Eurostat, Structure of earnings survey[5]

Há trabalhadores especialmente prejudicados nesta matéria, designadamente os que trabalham na indústria (ganham 26% abaixo da média), os trabalhadores com baixo nível de escolaridade (ganham 1/3 abaixo da média) e os que têm contratos a prazo (ganham menos 30% que os trabalhadores efectivos. Este último dado é bastante elucidativo quanto à razão pela qual o patronato se quer ver livre dos trabalhadores com vínculo permanente.

De acordo com a mesma fonte que temos estado a usar[6], o número de trabalhadores com baixos salários abrange 20% dos trabalhadores a tempo inteiro. Portugal pertence ao grupo de países com uma proporção de trabalhadores com baixos salários acima da média europeia. Este grupo compreende basicamente a Alemanha, países anglo-saxónicos e países da Europa Central e Oriental. As mulheres são particularmente afectadas (27%); o mesmo ocorre com os trabalhadores com contratos a prazo (29%) e, pode-se ainda acrescentar, com os que têm baixa habilitação (30%). Os jovens serão também mais abrangidos, até porque têm maior precariedade. A evolução desde 2006 apresenta aspectos positivos já que estes dados não reflectem a valorização do salário mínimo entretanto ocorrida (mas agora atrasada por este governo), mas a precariedade agravou-se desde então.


O salário mínimo nacional em Portugal é o mais baixo da UE15, quando se consideram os países que têm salário mínimo, e situa-se num grupo intermédio quando se compara com a UE27. Mas alguns países do alargamento, como a Eslovénia e Malta, têm valores superiores.

Os desempregados estão cada vez mais desprotegidos

A serem implementadas, as medidas do governo gerarão ainda mais desemprego num quadro de um cada vez maior enfraquecimento da protecção social. As recentes alterações à protecção no desemprego e às regras de atribuição de prestações sociais tiveram já como consequência a quebra do número de beneficiários de prestações de desemprego.

No final de 2010 mais de 45% dos desempregados inscritos nos centros de emprego não tinham qualquer protecção, o que deixa cerca de 250 mil inscritos sem qualquer rendimento de substituição. Na realidade poderão ser muitos mais, pois muitos desempregados não se inscrevem nos centros de emprego, em particular os mais jovens.

O número de beneficiários de prestações de desemprego diminuiu cerca de 83 mil em apenas um ano, sendo os jovens com menos de 35 anos os mais afectados. As quebras foram mais acentuadas no subsídio social de desemprego. Ao mesmo tempo o desemprego de longa duração passou dos 46% para os 56% do total de desempregados em apenas um ano.

O valor médio das prestações de desemprego é baixo (474 euros em 2010), sendo o subsídio de desemprego 528 euros. O subsídio social de desemprego não ultrapassa, em média os 342 euros, estando portanto abaixo do limiar da pobreza.

Os jovens vivem uma situação particularmente difícil

Os jovens são cada vez mais qualificados mas cada vez mais afectados pelo desemprego e pela precariedade.

Desde 1998 a percentagem de jovens menores de 35 anos que completou pelo menos o ensino secundário aumentou 60%, detendo hoje quase metade dos jovens o ensino secundário ou superior.

No entanto, cerca de metade dos desempregados são jovens com menos de 35 anos, sendo de 15,5% a sua taxa de desemprego. Entre os menores de 25 anos a taxa de desemprego é de 23,4%. Esta taxa tem vindo a aumentar apesar da quebra de população que já se verifica nestas faixas etárias.

O desemprego de longa duração atinge mais de 1/3 dos jovens com menos de 25 anos e quase metade dos que têm entre 25 e 34 anos. Entre os desempregados com formação superior o desemprego de longa duração é já de 55%, percentagem ainda mais elevada que entre os que detêm o ensino básico ou secundário (52%).

A precariedade atinge mais de 888 mil trabalhadores, fazendo dos jovens as principais vítimas (60% do total – mais de meio milhão de jovens com menos de 35 anos), e está a aumentar. Não poupa sequer os jovens mais qualificados. Basta olhar para o tipo de ofertas de emprego registadas nos centros de emprego. Mais de ¾ são com contratos a prazo e os salários oferecidos cada vez mais baixos

Quanto à protecção no desemprego, dados relativos a Novembro mostram que dois terços dos jovens que estavam inscritos nos centros de emprego não tinham qualquer subsídio.

A situação em que vivem grande parte dos jovens portugueses faz com que muitos não se autonomizem das suas famílias sobretudo por falta de condições económicas, o que é demonstrado pelos dados seguintes.

Quase dois terços dos jovens portugueses dos 18 aos 34 anos vivem em casa dos pais, encontrando-se 60% a trabalhar, dos quais metade com contratos a prazo. O desemprego é outra causa para a não autonomização dos jovens portugueses, sendo mais elevadas as taxas de desemprego entre os jovens que vivem com os pais comparativamente aos que vivem sozinhos ou com um cônjuge[7].

Em conclusão

Os dados anteriormente apresentados relativamente aos jovens desmentem a ideia de que se as empresas conseguirem despedir mais facilmente e com menores custos criarão mais emprego e admitirão trabalhadores mais qualificados. Se assim fosse não haveria tanto desemprego entre os jovens, na sua esmagadora maioria mais qualificados que as gerações precedentes. Na realidade, o que se pretende é facilitar o despedimento dos trabalhadores com vínculos permanentes e com salários mais elevados.

Portugal foi um dos países em que a actividade económica mais se reflectiu em termos da queda no emprego, desmentindo assim os que afirmam ser o mercado de trabalho português pouco flexível. Por outro lado, as reestruturações empresariais têm destruído mais emprego do que aquele que é criado por essa via, não sendo a facilitação dos despedimentos e a descida das indemnizações a solução para a modernização das empresas, mas antes a formação contínua e de reconversão dos seus trabalhadores.

A situação portuguesa é assim mais grave do que a de outros países quer no que diz respeito ao emprego e ao desemprego, quer da protecção social que tem vindo a ser enfraquecida por este governo. A diminuição das indemnizações por trabalhador, além de injusta, tornaria ainda mais difícil a situação de milhares de desempregados, nomeadamente os que não têm acesso a prestações de desemprego, que ficariam desta forma privados de um rendimento de substituição pela perda do seu posto de trabalho.



[1] Emprego na Europa 2010, pág. 28.

[2] Apurados pelo European Monitoring Centre on Change.

[3] Fonte: INE, Índice do Custo do Trabalho, 2º trimestre 2010.

[4] Fonte: Empresas em Portugal 2008, INE, pág.55.

[5] Este inquérito realiza-se de 4 em 4 anos, sendo os dados mais recentes referentes a 2006.

[6] Structure of earnings survey, Eurostat

[7] Fonte: Eurostat, Statistics in focus nº 50/2010