Por uma Europa dos trabalhadores e dos povos
Afirmar a soberania. Lutar pelos direitos.
Mais emprego, produção nacional, salários, serviços públicos.
Isabel Camarinha
Secretária-Geral da CGTP-IN
Saudamos todos os que de norte a sul rumaram ao Porto e inundaram estas ruas com a força e a confiança de quem quer, luta e exige melhores condições de trabalho e de vida.
Os trabalhadores que resistem ao ataque aos direitos e saíram para a rua no passado 25 de Abril e na grandiosa jornada do 1º de Maio que deu expressão à luta em 28 localidades e demonstrou que a CGTP-IN e os sindicatos que a compõe não se confinam quando são atacados direitos fundamentais, nem sucumbem à campanha que quer incutir o medo para facilitar o aumento da exploração.
As muitas e diversificadas lutas que ocorreram ao longo desta última semana e as dezenas que já estão em desenvolvimento nos sectores público e privado.
E é em defesa e em luta pelos direitos que aqui estamos, fazendo convergir a luta no momento em que os chefes de Estado e de Governo se reúnem para aprovar um Plano de Acção para pôr em marcha o denominado Pilar dos Direitos Sociais.
De tempos a tempos, lá vem a UE com pompa e muita propaganda, apresentar os seus objectivos e metas. Podíamos perguntar como vai a concretização da promessa, feita em 1986, que dali a 20 anos os trabalhadores portugueses estariam com salários iguais aos da média na restante Europa. Ou aquela outra do “pelotão da frente”. Ou a outra, do pleno emprego. Ou aquela que com o euro, ia ser só crescimento e convergência.
Aquilo que hoje vão referir, a promessa do dia, é a de que vêm aí os direitos sociais. É a de que é possível compatibilizar a Europa que gera desigualdades entre países e dentro de cada Estado-membro, que tem regras e mecanismos que não param de tornar os ricos mais ricos às custas da exploração, com a promoção de direitos sociais.
Camaradas, uma análise rigorosa ao Pilar Europeu dos direitos sociais e ao Plano de Acção que lhe dá forma, não nos deixando iludir pela brutal campanha de propaganda (como ontem com a chamada Cimeira Social) uma avaliação que não se fique pelas letras gordas e incida sobre o seu conteúdo, e rapidamente constatamos o seu carácter limitado e perverso e como objectivos justos são contaminados com uma visão que é todo um regresso ao passado.
À nossa exigência de aumento geral dos salários em 90€ e da fixação do SMN nos 850€, o “plano de acção” do “pilar social” decide entrar por uma área que era até aqui de competência exclusiva dos Estados. Inventaram uma Directiva sobre Salários Mínimos, que procura interferir no método e critérios de fixação do salário mínimo em cada país. Se os critérios propostos fossem aplicados em Portugal, tal constituiria uma pressão objectiva no sentido de conter a necessária evolução do salário mínimo. Os patrões, além das justificações habituais que usam para contestar a subida do salário mínimo nacional, passariam a ter mais um, a que não deixariam de recorrer: segundo a proposta de directiva da União Europeia, o salário mínimo está muito bem assim...
Para o aumento geral dos salários, para a subida do SMN, para erradicar a pobreza laboral e aquela que afecta os filhos dos trabalhadores, aquilo que é urgente e necessário é cumprir a Constituição. O Plano de Acção não acrescenta, antes trava, este processo que só com a luta e a nossa acção avançará.
À nossa exigência de garantir o emprego com direitos tal como dispõe a Constituição, lá vem o Plano de Acção juntar o conceito do emprego adaptável e defender que “a flexibilidade deve ser garantida aos empregadores”. É precisa mais flexibilidade? É preciso flexibilizar o quê? Os horários de trabalho, o trabalho por turnos? Os bancos de horas? O trabalho ao Sábado, Domingo e feriados? É preciso tornar os trabalhadores em peças ainda mais descartáveis na engrenagem do lucro?
Não camaradas, também não será o Plano de Acção o instrumento que vai impulsionar mais direitos no trabalho, mas a nossa acção e a nossa luta.
A precariedade - autêntica chaga laboral que nega e adia projectos de vida a centenas de milhares de trabalhadores no nosso país - é admitida, caso não seja utilizada de forma “abusiva”. Imaginem o que seria dos milhares de trabalhadores que foram integrados nos quadros das empresas com vínculos efectivos, se tivesse sido o Pilar e não a luta, a determinar o seu futuro e a passagem de vínculo precário a efectivo.
Poderíamos pensar que, descartada a hipótese do Pilar servir para aumentar os salários ou fomentar o emprego com direitos, ao menos seria um instrumento para combater o aumento do período experimental para os trabalhadores à procura de primeiro emprego e os desempregados de longa duração. Lá é referido que “o período experimental deve ter uma duração razoável”. Mas foi o Governo PS, grande defensor dos “direitos sociais na Europa”, aquele que impôs aos trabalhadores portugueses seis meses de total desprotecção, de total sujeição ao patrão, que pode decidir a qualquer momento durante 180 dias mandar para a rua, pagar zero de compensação e contratar outro trabalhador, nas mesmas condições.
Quer o Governo promover os direitos sociais? Então que comece por revogar esta e o conjunto de normas gravosas da legislação laboral que fragilizam os trabalhadores! Revogue a caducidade das convenções colectivas em vez de a suspender, acabe com os contratos de muito curta duração, com os bancos de horas e a desregulação dos horários, o trabalho temporário, o embaratecimento e facilitação dos despedimentos colectivos.
É que mesmo os despedimentos sem justa causa, que a legislação nacional proíbe, aparecem no Pilar como possíveis, bastando uma “compensação adequada”.
No cardápio para o retrocesso aparece ainda a tese de que os subsídios de desemprego não devem ser demasiado altos, para não desincentivar o regresso ao trabalho. Um insulto aos trabalhadores portugueses que vêem negado o direito ao trabalho, caem no desemprego e são empurrados para a pobreza. A maioria dos desempregados não recebe subsídio ou quaisquer prestações de desemprego! Cerca de um em cada dois desempregados é pobre!
O que o país precisa e os trabalhadores exigem é de prestações sociais que cheguem a todos e permitam a todos viver com dignidade e não de documentos que recuperam velhas, estafadas e derrotadas teses de que os direitos são inimigos do desenvolvimento.
Mas o Plano de Acção não se fica pela pressão sobre os direitos de quem trabalha e ataca também o direito à aposentação, com um conjunto de formulações que abrem as portas ao aumento da idade da reforma. Querem-nos pôr a trabalhar o máximo possível, porque para eles os trabalhadores só servem como fonte do lucro e um trabalhador na reforma é visto como um custo, como um peso, como algo que constitui um problema, seja para a saúde, seja para as contas da segurança social, e não como um ser humano que tem direito a um tempo de qualidade, com um rendimento e boas condições de saúde, depois de uma vida de trabalho.
É impossível compatibilizar a concepção de uma sociedade de progresso e justiça social, com este projecto.
À exigência pela melhoria dos serviços públicos, ao papel do Estado que o último ano afirmou como insubstituível na vida do nosso povo, lá vem o Plano de Acção colocar travões e recolocar na área do negócio direitos sociais fundamentais.
A Escola Pública, gratuita, inclusiva e de qualidade tem no documento da UE o contraponto de uma educação que deve ser a “preços comportáveis”.
A mesma bitola dos “preços comportáveis” é usada para a saúde, conceito bem distinto de uma saúde tendencialmente gratuita que a Constituição consagra e a CGTP-IN exige.
A agenda de transformação do ensino superior quer utilizar as instiituições existentes para promover um “ensino” de ainda mais curta duração. Uma visão que o Governo já transpôs para o PRR, e que representa a submissão aos interesses imediatistas do patronato e hipoteca a formação dos trabalhadores e o desenvolvimento do país.
Aquilo que o Pilar e o Plano de Acção representam, neste conjunto de direitos e áreas, é uma pressão para o nivelamento por baixo, ou seja, para que sejam dificultados avanços no sentido da estabilidade e segurança no emprego, dos salários, dos vínculos de trabalho, na redução do horário de trabalho, mas também nos direitos à saúde, educação, protecção social e aos diferentes serviços públicos, para além de lançar as bases para uma futura subida da idade da reforma.
E não é só o seu conteúdo, é também a forma como o Plano de Acção se articula com outros instrumentos da UE, de que até podemos desconhecer o nome, mas que todos conhecemos pelas consequências que têm no nosso dia-a-dia.
Falamos do Semestre Europeu e das suas recomendações cada vez mais presentes, que dizem quando, onde e em quê se pode ou não utilizar as verbas, sejam do orçamento de Estado ou da bazuca/vitamina, atacando o direito soberano de ser cada povo a decidir o que quer do seu futuro.
Falamos do Pacto de Estabilidade e das suas regras que amarram o país a uma política de cortes na despesa em educação, saúde ou prestações sociais, que limita o investimento público em áreas centrais ao nosso desenvolvimento e promove as liberalizações e privatizações que deixam o país cada vez mais pobre e dependente do exterior.
Falamos da chamada agenda digital, do teletrabalho sem garantia de todos os direitos, do trabalho nas plataformas digitais, da UBER, da GLOVO e de tantas outras que proliferam ao sabor do lucro rápido e sem complicações, que o Plano considera como sendo portador de uma espécie de terceiro tipo de trabalhador, qualquer coisa entre os assalariados e os que trabalham por conta própria. Dizendo cinicamente que se pretende proteger estes trabalhadores, faz-se precisamente aquilo que desejam as multinacionais das plataformas, fazem tudo, e mais um par de botas, para tentar contornar a evidência de que estamos perante trabalho subordinado, e de uma relação entre patrões e assalariados que trabalham à peça, ao dia ou à tarefa, qual praça de jorna.
Uma agenda digital que visa tirar todo o partido dos avanços na ciência e nas tecnologias, mas que não tem uma linha sobre a redução do tempo de trabalho, porque para o grande patronato, mesmo com máquinas do século XXI, bom, bom, era voltar aos tempos e ritmos de trabalho do século XIX.
Daqui, desta grande manifestação na cidade do Porto, reafirmamos a exigência da redução do horário de trabalho para as 35 horas para todos os trabalhadores, porque os avanços na ciência são resultado do trabalho e tem de ser para o trabalho, para os trabalhadores e para a sociedade que devem recaír os seus benefícios!
O Plano de Acção liga-se ainda com a chamada agenda verde. Nela encontramos a cartilha para as transições e a linha de comando que serve de justificação para o encerrramento de importantes unidades produtivas no nosso país. Que o digam os trabalhadores da refinaria de Matosinhos ou da termoelétrica de Sines, encerradas por interesse dos accionistas à boleia de uma pretensa defesa do ambiente. Nada mais falacioso. A energia que deixamos de produzir passamos a importar dos países que mantêm a sua produção e o ambiente não tem fronteiras, a poluição não se reduz. Aquilo que se reduz são mesmo os empregos na região, é a capacidade produtiva nacional, é a soberania energética.
Não aceitamos e combateremos esta e todas as medidas que só vêm contribuir para acentuar as gritantes desigualdades regionais e sociais. Por isso afirmamos que mal vai o Governo, quando transporta boa parte destas teses e das medidas para o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho.
Aquilo que no último ano, com o surto epidémico, ficou demonstrado, é o que há muito os trabalhadores afirmam, que só com a valorização do trabalho e dos trabalhadores é possível avançar nos direitos e dar uma verdadeira resposta social e sustentável aos problemas que o país enfrenta.
A destruição do aparelho produtivo, a entrega de empresas e sectores estratégicos aos grandes grupos económicos, o desinvestimento nos serviços públicos, o ataque aos direitos, que resultaram no acentuar das desigualdades e no agravamento da situação económica, social e laboral, são fruto de opções de sucessivos governos e agravados por décadas de políticas de direita e de submissão às imposições da União Europeia.
As opções políticas do Governo do PS e o aproveitamento do patronato, que conta com a acção ao seu serviço de PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega, têm servido para manter intocável, ou mesmo aumentar, a riqueza acumulada e promover novos ataques aos direitos, com o aprofundamento da exploração.
É que bem podem vir o Governo e a UE falar da redução da pobreza, bem podem afirmar a Europa como o espaço dos mais amplos direitos sociais, porque basta olhar para a velocidade com que se estão a degradar as condições de vida e de trabalho em todos os sectores e actividades, basta olhar para o tratamento desumano dado pela União Europeia a milhões de refugiados, para verificar que todos os direitos têm de ser defendidos e que nenhum está para sempre garantido.
A epidemia expôs a situação dos trabalhadores agrícolas em Odemira, particularmente imigrantes, mas continua a esconder que nesta situação estão milhares de trabalhadores agrícolas e de outros sectores, em todo o país. É uma situação inaceitável que os sindicatos da CGTP-IN há muito denunciam e combatem.
É por isso que os trabalhadores não desistem e persistem na luta, a maioria das vezes sem os holofotes da comunicação social.
Para nós, a solidariedade não passa por legitimar normas que estabelecem condições ainda mais gravosas para outros trabalhadores na Europa do que as que temos no nosso país, nem aceitamos a ideia que para garantir mais direitos aos trabalhadores desprotegidos é preciso retirar direitos aos mais protegidos.
Não será de progresso, mas de retrocesso laboral, que estaremos a falar se, noutros Estados-membros, for estabelecido um patamar de direitos inferior àquele que já consideramos como inaceitável para os trabalhadores portugueses.
Lutamos por uma Europa dos trabalhadores e dos povos, pelo direito do povo português decidir de forma soberana sobre o seu destino, de lutar pelos direitos, por mais emprego e melhores salários, por mais produção nacional e melhores serviços públicos, pelo futuro que exigimos e a que temos direito.
Lutamos por uma Europa do pleno emprego, pelo fim da precariedade, de emprego com direitos para a juventude, pelo fim das desigualdades e discriminações, com protecção social pública, universal e solidária, por uma justa distribuição da riqueza, de solidariedade e paz.
Uma luta que continua e engrossa o caudal de protesto, de resistência e exigência dos direitos e do aumento dos salários, de valorização das carreiras e profissões, de combate à precariedade e pelo emprego com direitos.
Uma luta que já tem datas marcadas para as próximas semanas. Na administração pública - nos sectores da saúde, da educação, da administração central e local, seja nos outros sectores de actividade – indústria, transportes, comunicações, pescas, agricultura, hotelaria e restauração, comércio e serviços, a luta vai-se intensificar ainda neste mês com a Manifestação dos Enfermeiros no dia 12, o plenário/concentração dos trabalhadores da CarrisBus dia 13, as acções de luta e concentrações dos Professores a 13, 20 e 27, a greve nacional nas cantinas a 17, a grande jornada de luta da Frente Comum com greves na Administração Pública e manifestação no dia 20, na Soflusa e na Transtejo também a 20 de Maio, a concentração a 21 de Maio e a Greve a 11 de Junho na Águas de Portugal, a greve na SCOTTURB no dia 24, a greve no Metropolitano de Lisboa a 25, a greve com concentração na CP/IP a 27, e estes são só alguns dos muitos exemplos da luta que continua.
VIVA A LUTA DOS TRABALHADORES!
VIVA A CGTP-IN!
A LUTA CONTINUA!