Novo ECIC entra em vigor: começa uma nova fase na luta por justiça na carreira científica

Entra hoje em vigor, dia 29 de maio, a Lei n.º 55/2025, que aprovou o novo Estatuto da Carreira de Investigação Científica (ECIC) e o Regime Comum das Carreiras Próprias de Investigação Científica em Regime de Direito Privado (RCPIC). A FENPROF reconhece que o diploma introduz avanços importantes, quase todos resultados da luta determinada dos investigadores e da ação sindical consequente que a promoveu. No entanto, a entrada em vigor desta nova versão do ECIC não pode ser assinalada sem uma crítica firme às omissões que o comprometem e às condições agravadas que afetam atualmente o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN). Esta data marca, por isso, o início de uma nova etapa na luta contra a precariedade e pela dignificação plena da carreira científica.

Importa recordar que esta nova versão do ECIC foi inicialmente gizada pelo governo do Partido Socialista, então liderado por António Costa, com Elvira Fortunato como Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Esse governo cessou funções após a dissolução da Assembleia da República em 7 de dezembro de 2023, na sequência de uma crise política que envolveu diretamente o então primeiro-ministro. Posteriormente, já sob o governo da Aliança Democrática (AD), o processo legislativo foi retomado. O seu Ministro da Educação, Ciência e Inovação à data, Fernando Alexandre, propôs alterações ao projeto de diploma deixado pelo anterior executivo e levou esse seu texto a votação na Assembleia da República. A aprovação final do ECIC ocorreu na manhã de 14 de março de 2025, três dias após ter sido rejeitada a moção de confiança apresentada pelo governo AD que levou à sua queda.

A FENPROF lamenta que a precipitação gerada pela dissolução iminente da Assembleia da República não tenha permitido uma discussão aprofundada e rigorosa na Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República de todas as propostas apresentadas. Essa limitação, conjugada com a falta de vontade política por parte de alguns setores, incluindo o ainda Ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, impediu o acolhimento de medidas fundamentais e conduziu à inscrição de outras de forma apressada e pouco clara. Como consequência, o diploma que hoje entra em vigor deixa por resolver problemas estruturais da carreira científica e introduz normas reputadas por alguns como de formulação ambígua como pretexto para se furtarem ao cumprimento da intenção do legislador.

Ainda assim, importa reconhecer os avanços que o diploma consagra e que correspondem, em muitos casos, a reivindicações antigas da FENPROF. Destaca-se, desde logo, a possibilidade de os investigadores com contratos celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 57/2016, com as alterações introduzidas pela Lei 57/2017, a terminarem em 2025, tanto ao abrigo do direito público como do privado, poderem manter os seus contratos em vigor até ao final do processo de abertura de concursos para a carreira, de acordo com as funções que estavam a ser desempenhadas. É igualmente um sinal positivo a possibilidade de os doutorandos poderem desenvolver a sua atividade de investigação ao abrigo de um contrato de trabalho, como a FENPROF e a ABIC há muito vinham reclamando. Acrescem o reconhecimento da experiência profissional em diferentes contextos, a possibilidade de abertura de concursos para contratos sem termo por instituições de natureza privada, e a justa alteração das regras para a progressão remuneratória, que passará a ocorrer, obrigatoriamente, sempre que é obtida a menção máxima durante um período de 3 anos consecutivos, ou quando é obtida avaliação positiva durante um período de 8 anos consecutivos, ou 9 anos para ciclos de avaliação de 3 anos. Esta norma é, inclusivamente, estendida às carreiras docentes do ensino superior universitário e politécnico. Por fim, a introdução da mobilidade, a pedido do próprio, entre as carreiras de docência e investigação, constitui um instrumento relevante de articulação e valorização profissional. Estes avanços não resolvem tudo, mas provam que a luta organizada pode produzir resultados concretos, o que importa ter em conta para futuro.

Contudo, subsistem duas omissões graves: a não explicitação da recuperação do vínculo de investigadores com contratos que cessaram antes da entrada em vigor desta Lei e a ausência de um regime transitório eficaz que permita integrar em lugares de carreira os investigadores doutorados que há muitíssimos anos (nalguns casos, décadas) vêm construindo o SCTN com o seu trabalho ao abrigo de sucessivos contratos precários e de quem o sistema científico continua a precisar. Esta lacuna, que afeta profissionais com reconhecido mérito científico, é incompatível com uma política de ciência coerente e sustentável.

A situação piora significativamente com os cortes recentemente impostos ao financiamento de dezenas de unidades de investigação, afetando especialmente aquelas avaliadas com a classificação de “Muito Bom” e classificações inferiores. Estas reduções agravam o subfinanciamento estrutural que há décadas fragiliza o sistema científico nacional, comprometem a continuidade de projetos, colocam em risco postos de trabalho e acentuam a instabilidade num setor que é universalmente reconhecido como estratégico para o desenvolvimento do país.

A FENPROF entende que, com o novo enquadramento legal em vigor e com a posse prevista de um novo governo em junho, estão criadas condições para iniciar uma nova fase de ação. No novo ciclo político-parlamentar, caberá ao futuro executivo e aos partidos com representação na Assembleia da República a responsabilidade de corrigir as insuficiências da Lei n.º 55/2025 e de adotar medidas eficazes de combate à precariedade no setor científico. Nesse sentido, a FENPROF solicitará reuniões com o novo governo e com forças políticas com assento parlamentar, levando-lhes as reivindicações concretas dos investigadores e propondo soluções justas e viáveis. Reunirá também com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) e o Conselho dos Laboratórios Associados (CLA), com o propósito de concertar estratégias e apelar à intervenção para a melhoria desta nova versão do ECIC, sublinhando que está em causa o bom funcionamento das instituições de ensino superior e investigação, tanto na produção científica como na qualidade do ensino, bem como evitar o desperdício de um investimento público de várias décadas que o fim dos contratos de muitos investigadores poderá representar.

Paralelamente, a FENPROF retomará o contacto com os investigadores e os docentes, ouvindo as suas propostas, debatendo prioridades e construindo, com todos, uma ação sindical participada, coerente e determinada. Esta linha de ação está plenamente consagrada nos seus Programa de Ação e Resolução sobre a Ação Reivindicativa aprovados, por unanimidade, no passado dia 17 de maio no 15.º Congresso Nacional dos Professores. Ali, o combate à precariedade e a valorização das carreiras são definidos como objetivos centrais da intervenção sindical. Nesse quadro, a FENPROF retomará também o diálogo com as demais organizações representativas do setor, com vista à articulação de posições e à construção de uma frente reivindicativa capaz de dar resposta aos desafios que se colocam.

A FENPROF enfrentará esta nova etapa com a determinação de sempre. A sua história é feita de persistência e de conquistas em processos longos, mas com resultados concretos. Foi assim com o regime transitório no Ensino Politécnico, cuja luta começou em 2009 e só terminou vários anos depois, com a integração de centenas de docentes. Foi assim com o recente desbloqueamento das progressões nas carreiras da investigação e docentes do ensino superior. Foi assim também com a recuperação do tempo de serviço dos professores, um processo que durou seis anos, com avanços graduais, e que ainda hoje continua. E será assim com os investigadores: a luta prossegue, com confiança, organização e mobilização. A FENPROF não desiste e estará, como sempre, ao lado dos trabalhadores científicos até estarem satisfeitas as justas condições de estabilidade para todos os que garantem a qualidade da ciência produzida em Portugal. Porque lutar vale mesmo a pena!

Fonte: FENPROF

Novo ECIC entra em vigor