A inflação abrandou em 2024, mas é necessário considerar que incide sobre preços que sofreram um brutal aumento especulativo que se manifestou sobretudo a partir de Dezembro de 2021, se acentuou durante todo o ano de 2022 e se manteve durante 2023, ainda que com uma taxa inferior à dos anos anteriores. O resultado traduz-se no efeito cumulativo do aumento de preços ao longo deste período, que incidiu essencialmente sobre bens e serviços essenciais, como mostra este estudo. O contexto internacional em cenário de guerras e sansões, que têm reflexos muito negativos na União Europeia e particularmente em Portugal, não é explicação suficiente para esta realidade. E´ clara a tolerância, senão mesmo cumplicidade, dos últimos governos em relação à estratégia especulativa do capital para aumentar os seus lucros à custa do esbulho dos consumidores. O consequente agravamento do custo de vida tem, por outro lado, explicação no facto dos ajustes salariais terem sido insuficientes para suprirem esta tendência e impedirem a perda de qualidade de vida de estratos sociais com menores rendimentos do trabalho.
Numa primeira análise, vemos que os preços no consumidor aumentaram, em média, 2,4% em 2024, menos do que em 2022 (7,9%) e 2023 (4,3%).
As maiores subidas verificaram-se na classe “Habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis” (6,6%), nas Comunicações (5,9%), nos Restaurantes e hotéis (4,8%), na Educação (3,7%) e na Saúde (3,6%).
Os Bens alimentares e bebidas não alcoólicas tiveram um aumento anual inferior a 2,4%, menos que a média do cabaz de consumo medido pelo INE. Este abrandamento ocorre depois de dois de crescimento intenso, como se verá à frente.
Houve, no entanto, produtos como os óleos e gorduras (onde se inclui o azeite) cujos preços aumentaram 8,5% face ao ano anterior.
Embora o crescimento médio anual tenha sido menor do que o verificado nos últimos dois anos, houve uma aceleração dos preços na fase final do ano (desde Setembro), tendo a variação homóloga1 sido de 3% em Dezembro, havendo sinais de que vai haver novo aumento do ritmo de crescimento dos preços em 2025, o que será preocupante se os salários e pensões não acompanharem tal subida.
O abrandamento da inflação em 2024 ocorre depois de dois anos de maiores aumentos, como se viu acima. No final de Dezembro o nível médio dos preços estava 16,2% acima do nível de 2021, sendo especialmente elevado no caso dos Bens alimentares e bebidas não alcoólicas (+28%), dos Produtos energéticos (+17,7%) e das rendas de habitação (+17,4%), os itens com maior peso nos orçamentos familiares.
Os preços dos bens alimentares essenciais subiram generalizadamente desde 2021, registando-se os seguintes aumentos por ordem decrescente: óleos de gorduras (+41%), produtos hortícolas (+32,5%), leite queijo e ovos (+32%), carne (+31%), açúcar, mel e outros produtos similares (+30%), pão e cereais (+29%), café, chá, cacau (+29%), peixe (+23%), bebidas não alcoólicas (+23%) e fruta (+18%).
Entre os produtos energéticos destaca-se o aumento do preço do gás (+38%) e dos combustíveis líquidos para aquecimento das habitações (+31%).
O aumento das rendas, de 7% em 2024, foi o maior aumento dos últimos 30 anos. Só em 1994 houve um crescimento maior (7,5%).
O gráfico seguinte mostra o aumento mensal das rendas efectivamente pagas por inquilinos desde Dezembro de 2020. O aumento é de 17,4% quando se compara Dezembro de 2024 com a média do ano de 2021.
O aumento dos encargos com a habitação não se esgota no arredamento, estendendo-se também à compra de casa, situação para a qual foram empurrados muitos trabalhadores por falta de outras soluções, tendo por isso que recorrer ao endividamento junto da banca. Estes encargos não são captados pelo índice de preços no consumidor, por se considerar
a compra da habitação um investimento, tendo que se recorrer a outros indicadores também do INE.
Entre Junho de 2021 e Junho de 2024 as prestações por crédito à habitação aumentaram mais de 70% e os salários nominais apenas 17%. Ao mesmo tempo os lucros da banca cresciam: até Setembro os lucros dos cinco maiores bancos a operar em Portugal ascenderam a 3,9 mil milhões de euros, crescendo 19% em relação a igual período de 2023.
Acresce a especulação e a lógica de mercado a que está sujeito o direito à habitação, que leva a que, só considerando a evolução entre o 2º trimestre 2021 e o mesmo trimestre de 2024, o aumento do valor mediano das vendas por metro quadrado tenha aumentado 37%, também muito acima do crescimento dos salários nominais.
Os impactos do aumento dos preços são diferenciados segundo os rendimentos, tendo maior efeito negativo em quem tem menores rendimentos - trabalhadores, pensionistas e camadas desfavorecidas da população – realidade não visível nos valores médios divulgados. Nos últimos anos os maiores aumentos de preços verificaram-se nos bens e serviços
essenciais, na habitação e na energia, itens com maior peso entre os trabalhadores e famílias de menores rendimentos.
Esta situação conduziu a uma degradação das suas condições de vida e mesmo a situações de pobreza, a que só o aumento dos salários e das pensões, a contenção dos custos com a habitação e a limitação do aumento dos preços dos bens e serviços essenciais poderão fazer face.
A política de baixos salários e de precariedade, que impera no nosso país, aliada ao agravamento do custo de vida, tem mantido uma parte considerável dos cidadãos em situação e pobreza ou de risco de pobreza, mesmo dos que são incluídos na designada “classe média”. A verdade é que há quem nunca chegará a conhecer outra situação durante toda a sua vida que não seja a de austeridade.
A habitação, tal como uma alimentação saudável, ou serviços essenciais de qualidade (saúde, educação…), não pode ser um privilégio, de acordo com a capacidade financeira de cada um. Vamos lutar por melhores condições de vida, com melhores salários e melhores pensões, que nos permitam o exercício dos direitos consagrados na nossa Constituição.
Defesa do Consumidor
24.01.2025