Posição da CGTP-IN sobre a presente situação económica e social do país
A política de austeridade está a destruir o tecido económico e social do país. E os seus efeitos estão a intensificar-se como revelam os dados relativos ao 4º trimestre, em que se destaca a aceleração de destruição de postos de trabalho e o aumento do desemprego.
7ª AVALIAÇÃO DA TROICA
POSIÇÃO DA CGTP-IN SOBRE A PRESENTE SITUAÇÃO ECONÓMICA E SOCIAL DO PAÍS
1. APROFUNDAMENTO DA RECESSÃO ECONÓMICA
2. CRISE DE EMPREGO
3. REMUNERAÇÕES E RELAÇÕES DE TRABALHO
4. DESPESA SOCIAL
5. POBREZA E GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS
6. A SUSTENTABILIDADE DAS FINANÇAS PÚBLICAS
7. CONCLUSÕES
Lisboa, 22.2.2013
1. APROFUNDAMENTO DA RECESSÃO ECONÓMICA
1.1 A política de austeridade levou ao aprofundar da crise económica em 2012. Há mais de 30 anos que se não observava uma recessão económica tão intensa no país. Na zona do euro só a Grécia teve um resultado tão desfavorável. A actividade económica está em diminuição há muitos trimestres consecutivos mas foi no 4º trimestre deste ano que alancou o resultado mais negativo (-1,8% face ao anterior). Em Portugal está-se a conjugar a diminuição da procura interna com a quebra significativa da procura externa, ou seja das exportações.
1.2 A recessão económica tem origem na diminuição da procura interna devido à política de austeridade, particularmente: redução do poder de compra dos salários e das pensões, corte de prestações sociais, agravamento da tributação. Os inquéritos às empresas sobre os obstáculos à produção indicam que o principal é a insuficiência da procura (indicada por mais de 80% das empresas do comércio e serviços). Por sua vez, o principal factor limitativo do investimento para 2013 indicado pelas empresas é a deterioração das perspectivas de vendas (63%) seguido pela rentabilidade dos investimentos (12%). A dificuldade em obter crédito bancário é referida em terceiro lugar (8,9%). Por mais importante que seja o crédito à economia a custo adequado, as empresas não investirão com uma procura em retracção. A recessão tem pois origem na procura.
1.3 A política de austeridade está também a agravar as condições económicas na União Europeia e na zona euro em particular. Houve um sensível agravamento no 4º trimestre de 2012. As maiores economias tiveram baixas no PIB face ao trimestre anterior, o que inclui a Alemanha (-0,6%), a França (-0,3%), a Itália e, fora da zona euro, o Reino Unido (-0,3%). Os principais países de destino das exportações estão em baixa, desde logo a Espanha (-0,7%). O FMI prevê a recessão na zona do euro em 2013 (-0,2%).
1.4 Com a baixa do consumo, público e privado, e do investimento não se vê como é que a economia pode crescer. O investimento teve uma quebra que o Banco de Portugal estima em 14,4% em 2012 e prevê que continuará a cair em 2013 (-8,5%). O que tem óbvias consequências na destruição de emprego. O mais recente inquérito de conjuntura do INE mostra que cerca de 19% das empresas tencionam diminuir o emprego face a 5% onde se prevê o aumento.
1.5 O Ministro das Finanças anunciou, dia 20 de Fevereiro, uma recessão económica de 2%, o dobro da que o Governo tinha previsto há 2 meses atrás. Esta é uma previsão que pode pecar por defeito. De facto, a quebra do rendimento dos trabalhadores e dos pensionistas, devido à redução do poder de compra dos salários e do aumento da carga fiscal, bem como das medidas anunciadas para a Administração Pública, conduzirão a uma maior diminuição do consumo, privado e público. O aumento do desemprego amplificará a baixa do consumo acontecendo o mesmo com o aumento dos cortes nas prestações sociais. As exportações de bens conheceram um aumento de 5,8% no ano passado, mas com uma clara desaceleração desde Setembro; no quarto trimestre cresceram apenas 1%. O índice de novas encomendas na indústria na componente do mercado externo – que teve variações quase sempre positivas ao longo de 2012, ao contrário da componente do mercado interno – passou de uma variação homóloga de 1,4% em Novembro para -8,4% em Dezembro.
2. CRISE DE EMPREGO
2.1 A crise económica determinou uma destruição de postos de trabalho sem precedentes. Perderam-se empregos a um ritmo médio anual de 2,9% entre 2008 e 2012, e para 2013 o Banco de Portugal avança com uma nova perda de 1,9%. No total deste período (2008 a 2013) poderemos ter menos 650 mil empregos. A CGTP-IN considera deplorável que o Primeiro-Ministro use a expressão “selecção natural” para descrever este processo.
2.2 É particularmente preocupante a aceleração do ritmo de perda de emprego. Em 2012, a população empregada teve uma diminuição de 202 mil pessoas (face a 76 mil em 2010 e 141 mil em 2011). No quarto trimestre de 2012, o emprego teve uma quebra de 4,3% em termos homólogos, atingindo o nível mais baixo dos últimos dezassete anos. Aumentou o número de processos de despedimentos colectivos iniciados. Em 2012, faliram 6281 empresas, mais 1758 do que em 2011 e mais 2305 que em 2010. Em 2013, já entraram em Tribunal 888 processos de insolvência, quando, em 2012, até à mesma data (18 de Fevereiro), tinham entrado 723 processos e 509 em 2011. Para a CGTP-IN, a política de direita e o anúncio de mais austeridade no Outono passado tem um papel essencial no aceleramento da destruição de postos de trabalho.
2.3 Portugal tem a terceira mais alta taxa de desemprego na Europa, depois de Espanha e Grécia. O nível atingido pela taxa de desemprego no 4º trimestre de 2012, de 16,9% (que já ultrapassa a previsão de desemprego do Governo de 16,4% para 2013) encaminha o país para uma taxa de 20% se as presentes políticas não forem alteradas.
2.4 Os jovens até aos 35 anos representam 46% do total dos desempregados, sendo de 40% a taxa de desemprego dos menores de 25 anos. Cresce também o desperdício de competências. Os diplomados desempregados têm um peso de 16% e uma taxa de desemprego de 13,4%, embora a maioria dos desempregados tenha habilitações até ao 3º ciclo.
2.5 Por impressionantes que sejam, estes dados não expressam toda a realidade do mercado de trabalho. Primeiro, porque há mais pessoas a passarem à inactividade económica, nalguns casos por antecipação da reforma. Segundo, porque tem crescido o número de inactivos disponíveis para trabalhar e de subempregados a tempo parcial. Terceiro, porque são cada vez mais os portugueses que não têm outra alternativa senão emigrar, nomeadamente os mais jovens. Apesar de não haver estatísticas de emigração disponíveis, é visível, contudo, que a população total diminuiu em 68 mil pessoas entre o 4º trimestre de 2011 e o mesmo trimestre de 2012, tendo a diminuição entre os 25 e os 34 anos sido superior a 81 milhares.
2.6 Ao mesmo tempo, foram aprovadas, desde meados de 2010 sobretudo, várias mudanças legislativas que diminuíram a protecção social no desemprego. Estas medidas tornaram mais restritivas as condições de acesso às prestações; diminuíram a duração do período de atribuição; diminuíram os montantes pagos; alteraram as condições de atribuição da componente não contributiva (subsídio social de desemprego). A cobertura dos desempregados por prestações de desemprego (subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego) caiu fortemente passando de 70,3% no 4º trimestre de 2009 para 47,4% três anos depois. Por outro lado, um desempregado com uma prestação média de €502 (valor médio de 2012) tem um corte de 10% ao fim de 6 meses (última alteração ao regime) a que se junta agora, com as medidas decorrentes do OE2013, outro corte de 6%. A prestação passa para €425 euros. No caso de reentrada no mercado de trabalho, têm uma elevada probabilidade de passar a ter um salário mais baixo (como mostram as ofertas de emprego do IEFP);
3. REMUNERAÇÕES E RELAÇÕES DE TRABALHO
3.1 A redução dos salários no PIB acentuou-se ao longo de 2012, embora só tenhamos dados para os três primeiros trimestres. Se confrontarmos a média das remunerações pagas nestes trimestres de 2012 com igual período de 2011, observamos uma quebra de 6%, devido à redução da remuneração média por trabalhador e à queda do emprego (INE, Contas nacionais). Os trabalhadores da Administração Pública foram os mais afectados: os salários foram congelados em 2010, diminuíram 5% em 2011 e 12% em 2012. A parte salarial no produto interno bruto reduziu-se.
3.2 Este empobrecimento dos trabalhadores tem particular significado atendendo ao baixo nível médio dos salários praticados, à crescente divergência com os países da UE e, no plano económico, à elevada contribuição para a redução da procura interna.
3.3 O empobrecimento é socialmente injusto porque acentua as desigualdades e os trabalhadores não têm responsabilidade na presente crise económica do país. Nem é sustentável afirmar que a perda de competitividade da economia portuguesa tenha origem nos salários, apesar do seu baixo nível. Mesmo que se utilize a medida discutível da competitividade-custo (entre outras razões, ignora as dimensões qualitativas da competitividade) observa-se que a taxa de câmbio efectiva real cresceu 11,6% entre 2001 a 2007 (ou seja, no período anterior à crise), face a 19,7% na zona euro e a 38,4% na UE27[1]. A Alemanha foi excepção mas a concorrência social (“dumping”) feita afectou todos os países europeus e não apenas Portugal.
3.4 O congelamento do salário mínimo nacional desde 2011 tem um grande impacto, desde logo pelo facto das remunerações serem baixas, existindo um volume elevado de trabalhadores com baixos salários que empobrece a trabalhar. Em Abril de 2012, o número de trabalhadores a receber o salário mínimo representava 12,7% do total (16,4% no que respeita às mulheres). O poder de compra reduziu-se de 1,5% em 2011 e de 2,7% em 2012 anulando parte dos ganhos obtidos entre 2007 e 2010 em resultado do acordo de concertação social sobre a actualização do salário mínimo, firmado em 2006, o qual não foi cumprido pelo Governo.
3.5 Não só os salários foram reduzidos como existe interferência da troica no modelo e no direito de contratação colectiva: a introdução de um modelo de descentralização da negociação colectiva; a possibilidade de negociação por organizações não sindicais; a não extensão das convenções colectivas; a aceleração dos processos de caducidade das convenções colectivas. A troica volta a insistir, na 6ª avaliação, que as Comissões de Trabalhadores devem ter a possibilidade de intervir ao nível de empresa quando a Constituição da República Portuguesa atribui o direito de contratação colectiva aos sindicatos. Mesmo depois de C. Lagarde ter dito, em entrevista ao Expresso de 5 de Janeiro deste ano, que o facto de não terem previsto a inconstitucionalidade de algumas medidas foi uma “infelicidade”.
3.6 Em 2012 diminuiu brutalmente o número de contratos publicados (85 convenções face a 230 em 2010 e a 371 em 2000) bem como o número de trabalhadores cobertos por convenções colectivas. Para a CGTP-IN, o Governo e a troica estão a impor um programa conservador, balizado pela oposição ao direito de contratação colectiva, que nada tem a ver com a protecção dos direitos dos credores. A não publicação de portarias de extensão (apenas 12 em 2012 face a 102 em 2010) via enfraquecer o papel das organizações sindicais e patronais na regulação do mercado de trabalho. A CGTP-IN considera que está em curso um processo de liquidação do direito de contratação colectiva, o qual já foi já posto em causa pelas regras do Código de Trabalho (sobretudo a caducidade).
4. DESPESA SOCIAL
4.1 O compromisso do Governo com a troica para reduzir a despesa em 4 MME em 2014 e 2015, a ser realizado, acrescerá às reduções que decorrem do Orçamento de Estado para 2013 e às que foram efectuadas desde 2011 no quadro das políticas de austeridade. Com o país em recessão e com sistemas sociais já na linha do precipício – há já racionamento na saúde com medicamentos básicos a faltar nos Hospitais, como foi exemplo o caso do Hospital de Coimbra, a segurança social apresentou um em défice em 2012 e há desinvestimento na educação – novos cortes podem levar à destruição das funções sociais do Estado.
4.2 No início do ano foi apresentado um Relatório do FMI sobre a reforma do Estado, o que é desde logo contestável pelo facto de ser uma organização que representa os credores. Mais grave é o facto desta organização internacional se imiscuir em assuntos que respeitam à soberania dos Estados, propondo medidas que ferem princípios constitucionais ou princípios que estão expressos em legislação essencial, como, por exemplo, a Lei de Bases da Segurança Social. Este relatório consubstancia um ataque político e ideológico sem precedentes a direitos sociais conquistados, mascarado de documento técnico. Entre os múltiplos exemplos que podem ser referidos, saliente-se a crítica feita à reforma das prestações do desemprego – que reduziu acentuadamente os direitos dos desempregados – porque “deixa intacto o carácter geral do sistema” (página 46).
4.3 Do ponto de vista económico, ignoram-se os efeitos recessivos de mais austeridade quando foi o próprio FMI a reconhecer tê-los desvalorizado. Ignora-se também que o crescimento económico é imprescindível para o financiamento das políticas sociais. Basta pensar que um crescimento nominal do PIB de 3,2% (1,8% em volume mais 1,4% em preços) representa um aumento de riqueza de 5,3 MME[2]. Cabe perguntar que direitos especiais são estes que subjugam o povo e o país à satisfação dos interesses dos credores causando mais recessão e com uma dívida pública em inevitável crescimento (6.3).
4.4 No Relatório, a despesa social é sempre confrontada com o valor do PIB não se usando o indicador da despesa por pessoa, apesar ser mais relevante em termos de nível de vida. Em 2010 esta despesa, expressa em paridades de poder de compra (que corrige as diferenças de preços entre os países), representava em Portugal 73% da média comunitária. No domínio da saúde, a despesa pública em saúde por habitante é muito inferior à média da UE, e o Estado Português é dos que menos comparticipa nas despesas de saúde (66% da despesa total, contra os 75% da média europeia) – tudo o resto é suportado directamente pelas famílias, além dos impostos que pagam. No da segurança social, a distribuição das pensões de velhice e de invalidez do regime geral por escalões de pensões mostra que em 2011 76% dos pensionistas de velhice tinham pensões inferiores ao Indexante dos Apoios Sociais (419,22 euros).
4.5 Embora reconheça que a despesa com prestações sociais excluindo pensões não é particularmente elevada quando comparada com outros países da UE, o FMI afirma que as prestações estão mal direccionadas, sendo maioritariamente atribuídas a quem não precisa e com valores demasiado generosos. Porém, segundo um estudo publicado pelo Banco de Portugal[3], baseado em dados da EU-SILC, as prestações em dinheiro (excluindo pensões) têm um impacto redistributivo relativamente baixo no nosso país face ao contexto europeu mas isso deve-se em exclusivo devido à “dimensão relativamente modesta daquelas prestações em Portugal”. E, “em termos de eficiência, Portugal é mesmo um dos países em que as prestações em dinheiro (excluindo pensões) são mais orientadas para os rendimentos mais baixos”.
5. POBREZA E GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS
5.1 Num contexto de baixa do rendimento devido sobretudo ao desemprego, à não actualização ou redução dos salários e ao aumento dos impostos, a redução de prestações sociais assume maior gravidade. A taxa de risco de pobreza era de 18% em 2010. Mas a população em risco de pobreza ou de exclusão social (um indicador mais abrangente usado para efeitos da Estratégia Europa 2020) é de 24 a 25% (entre 2,5 e 2,6 milhões de pessoas). Por outro lado, a taxa de pobreza atingia 27,9% nas famílias constituídas por um adulto e pelo menos 1 criança. Neste quadro é particularmente relevante abordar a evolução das prestações familiares, da protecção social no desemprego e do rendimento social de inserção (RSI).
5.2 O abono de família, prestação directamente atribuída às crianças e jovens, foi das prestações sociais que mais reduções sofreu. As condições de acesso tornaram-se mais restritas: redução dos escalões de rendimentos, que de início eram cinco, abrangendo famílias cujo rendimento de referência ia até 5 salários mínimos, e hoje são apenas 3, abrangendo apenas as famílias cujos rendimentos de referência não ultrapassem 1,5 IAS (€628); alteração da forma de determinação da condição de recursos, nomeadamente a introdução de um novo conceito de agregado familiar; redução do valor das prestações, através da revogação da majoração dos escalões de rendimentos mais baixos, do congelamento do valor do IAS e da não actualização das próprias prestações de abono de família. Estas mesmas restrições aplicam-se ao apoio da acção social escolar, agravando as dificuldades na aquisição de livros e outro material escolar.
5.3 As consequências têm sido dramáticas. Em 2009, antes da aplicação dos programas de austeridade, o abono de família abrangia cerca de 1 milhão e oitocentas mil crianças e jovens (valor médio anual). Em Outubro de 2012, este número era de 1 milhão e cento e quarenta mil. Houve uma perda superior a 600 mil beneficiários neste período. Os professores têm testemunhado casos de crianças com fome ou mal alimentadas, ou que na segunda-feira têm necessidade de, na escola, comerem mais. Muitas instituições sociais têm também alertado para uma situação que representa um recuo civilizacional. Uma sociedade também pode e deve ser avaliada e julgada pela forma como trata as suas crianças e jovens.
5.4 Em 2008, o Governo procedeu a uma actualização extraordinária de 25% nos dois grupos de rendimentos mais baixos. Foi então justamente invocada a "necessidade de reforçar os apoios às famílias mais débeis, por serem as que de uma forma mais incisiva sentem os efeitos advenientes de uma conjuntura internacional adversa". Estes argumentos deveriam ser válidos depois. Em vez disso, mais de 400 mil crianças e jovens perderam o direito ao abono de família a partir de Novembro de 2010 e as prestações familiares foram depois congeladas. A prestação atingiu €174,72 no 1º escalão (rendimentos até 0,5 IAS, ou seja €209,61) passou para €140,76 em Novembro de 2010 e não foi desde então actualizada.
5.5 Hoje o FMI sugere ao governo que elimine o 3º escalão do abono de família (que abrange famílias com rendimentos de referência até 1,5 IAS, ou seja €628), o que, a ser feito, se traduzirá, na eliminação de um direito para cerca de 350 mil pessoas.
5.6 A protecção social no desemprego foi progressivamente reduzida (2.6). É chocante vermos responsáveis da troica a considerarem como excessiva uma prestação de desemprego que teve em 2012 um valor médio de €502 por beneficiário. Por sua vez, o salário mínimo líquido de contribuições para a segurança social está ao nível do limiar da pobreza (em 2010, este salário mínimo era de €432 e o limiar de pobreza de €434).
5.7 As condições de acesso ao RSI, uma prestação de último recurso de pessoas em grave carência económica, tornaram-se progressivamente mais restritivas e de estigmatização social dos seus beneficiários, destacando-se: a mudança efectuada em meados de 2010 (Decreto-Lei (DL) 70/2010 de 16.10) nas regras de determinação dos rendimentos, da composição do agregado familiar e da capitação dos rendimentos da família para a verificação da condição de recursos; e as alterações decorrentes do DL 133/2012 de 27.6 que aperta as condições de acesso e cria novas obrigações. Ocorre a forte diminuição do número de beneficiários e da despesa com a prestação: os beneficiários passaram de 528 mil em 2010 para 448 mil em 2011 e para 285 mil em Outubro de 2012; a despesa de 2012 significa menos de ¼ face do valor de 2010 em termos nominais. Mais recentemente, o DL 13/2013, de 25.1, voltou a reduzir o valor desta prestação de € 189,5 para € 178.
6. A SUSTENTABILIDADE DAS FINANÇAS PÚBLICAS
6.1 A política de austeridade tem sido fundamentada na necessidade de ter contas públicas sustentáveis. Mas o que se constata é o aumento da dívida pública, a qual já ultrapassa 120% do PIB (83% em 2009). Os sacrifícios não conduzem à sustentabilidade, basicamente porque provocam a recessão, insustentáveis encargos com a dívida e diminuição das receitas do Estado e da segurança social. A que se deve acrescentar a despesa com o sector financeiro (onde sobressai o escândalo do BPN) e outras razões, com destaque para as parcerias público-privadas.
6.2 A austeridade conduziu à recessão devido à quebra da procura interna, a qual não foi compensada pelas exportações. O que se tende a agravar devido à situação económica na zona euro (1.3). Estes efeitos não foram avaliados e o próprio FMI reconheceu ter-se “enganado” quanto ao impacto dos cortes orçamentais no crescimento, no consumo e no emprego (multiplicadores orçamentais). Antes admitia que um corte de 1 euro podia significar uma redução de 0,5 euros no crescimento enquanto agora refere um valor acima de 1. Mas não foram retiradas consequências deste “engano” para Portugal.
6.3 Para que estabilize o peso da dívida no PIB é preciso que o crescimento nominal iguale a taxa de juro. Mesmo aceitando a previsão do Governo, o crescimento nominal será nulo em 2013 (-1% de variação em volume do PIB e um provável aumento dos preços de 1%). Como a taxa de juro implícita na dívida pública é muito superior, esta continuará a subir. Mesmo nas avaliações da troica, sempre optimistas no médio e longo prazo, se prevê que a dívida cresça até 2014 e se situe num limiar próximo de 110% em 2020 (6ª avaliação); refere-se também existirem riscos significativos nestas projecções, incluindo menos procura para as exportações.
6.4 O peso da despesa com juros é insustentável: 4,6% do PIB em média anual nos próximos anos (de 2013 a 2016) quando era de 2,9% em 2009, segundo a 6ª avaliação. Esta despesa excede a que é feita com a educação. Quanto ao pretendido corte da despesa social de 4 mil milhões de euros (MM€) em 2014, este representa 2,6% do PIB.
6.5 Por sua vez, a política de austeridade conduz a menores receitas. A receita fiscal do Estado em 2012 teve uma diminuição de 2.3 MM€ face a 2011, quando era suposto subir devido ao aumento de impostos. Houve menos receitas em todos os impostos (-2% no IVA). As contribuições para a segurança social caíram de 672M€ face a 2011 (-4,7%).
6.6 Nos apoios ao sector financeiro, destaca-se a despesa com o BPN. No final de 2012, este custo ascende a 3.4 MM€, um valor que representa 85% do corte na despesa social pretendido pelo Governo e pela troica. No entanto, os custos suportados pelo Estado poderão ser muito superiores, ainda que não possam ser já determinados porque dependem sobretudo das imparidades dos activos das sociedades-veículo, ou seja das empresas que absorveram a parte dos activos “tóxica” ou problemática do BPN (Parvalorem, Parups e Parparticipadas). Segundo as Conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o total potencial de prejuízos é de 6.5 MM€ um valor que é 1.6 vezes superior ao pretendido corte na despesa social e que representa perto de 4% do PIB previsto para 2013.
6.7 Existem outros factores que põem em causa a sustentabilidade das contas públicas, como os custos com as parcerias público-privadas. Estes custos passaram de 0.3% do PIB em 2008 para 1.1.% em 2011, enquanto o valor actualizado do total de pagamentos futuros do Estado aos privados se estima em 24,4 MM€ até 2040 – 14,6% do PIB previsto para 2012 (8% se forem deduzidos os proveitos previstos), segundo o Parecer do Tribunal de Contas sobre a CGE de 2011. O Tribunal refere também a aquisição de equipamento militar comporta encargos financeiros que ascendem a 1,1 MM€ e que estão subavaliados. Pode-se também referir o elevado peso (e que tende a crescer) da economia não registada o qual é avaliado em perto de 25% do PIB sendo as componentes dominantes a fuga fiscal e as actividades ilegais.
6.8 Com frequência se invocam os custos sociais decorrentes do envelhecimento. Esses custos são, com frequência, sobreavaliados com o objectivo de fundamentar políticas de cortes sociais. As projecções para períodos excessivamente alargados, como acontece com as efectuadas pela Comissão Europeia, são irrealistas devido à incerteza em variáveis-chave como o crescimento económico. Seja como for, tais dados revelam que os efeitos de longo prazo sobre o envelhecimento representam em Portugal um acréscimo da despesa pública de 0.1 pontos percentuais (pp.) do PIB entre 2010 e 2060, um valor que está abaixo das projecções para a UE (3.7 pp.) e para a área do euro (4.1 pp.).
7. CONCLUSÕES
7.1 A política de austeridade está a destruir o tecido económico e social do país. E os seus efeitos estão a intensificar-se como revelam os dados relativos ao 4º trimestre, em que se destaca a aceleração de destruição de postos de trabalho e o aumento do desemprego.
7.2 Esta política não resolveu uma das vertentes essenciais dos programas de austeridade, a designada consolidação orçamental. O défice público tem sido reduzido através de medidas de carácter excepcional, como a integração de fundos de pensões na segurança social e as privatizações (caso da ANA em 2012). Medidas que põem em causa a sustentabilidade da segurança social e o crescimento económico do país. A dívida pública disparou e as finanças públicas não estão hoje mais sustentáveis.
7.3 A política de austeridade também não resolve os problemas de competitividade. A política de reformas estruturais tem como alvo a baixa dos salários e a eliminação de direitos laborais. O mercado de trabalho português está hoje mais desregulamentado. Mas o país não é mais competitivo com salários mais baixos, com mais precariedade, com menor qualificação (os jovens estão a sair e há menos dinheiro para investir na formação), com menos protecção social.
7.4 O terceiro vector da política de austeridade é o sistema bancário. O escândalo do BPN mostra como é insustentável, em termos de justiça social, que sejam os contribuintes a suportar os fardos de um crime cujos responsáveis continuam sem ser punidos.
7.5 O caso BPN apenas ilustra um facto mais geral: as pessoas que estão hoje a suportar o custo da crise (os desempregados, os trabalhadores, os pensionistas, as crianças…) não têm nela responsabilidade.
7.6 Os sistemas sociais estão na beira do precipício. Fazer novos cortes é desarticulá-los, com custos em termos sociais (aumento das desigualdades) e económicos (agravamento da recessão). Permaneceremos no círculo vicioso da austeridade-recessão-austeridade.
7.7 O país precisa, em primeiro lugar, de respirar e, em segundo lugar, de relançar o crescimento da economia, sem o qual não haverá criação de emprego de qualidade e redução do desemprego. Para isso, é preciso o incremento da produção nacional, o investimento produtivo e a dinamização do mercado interno, o que exige medidas no plano dos salários (incluindo o salário mínimo, a contratação colectiva e a extensão de convenções colectivas) e das prestações sociais. No curto prazo, a condição primeira é pôr termo a uma política suicida de austeridade, sendo essencial a renegociação da dívida, com a fixação de uma trajectória de evolução do défice e da dívida pública e a diminuição do seu custo. O desenvolvimento económico social exige a defesa e promoção das funções sociais do Estado, o fim do processo de privatizações e Serviços Públicos que cumpram, integralmente, os objectivos para os quais foram criados – servir as populações serem instrumentos e motores do desenvolvimento.
[1] Ver: European Commission, Employment and Social Developments in Europe 2012, página 308.
[2] O FMI admite para 2015 um crescimento real de 1,8% e um deflator do PIB de 1,4% (Relatório técnico da 6ª avaliação, pág. 23).
[3] “Uma perspectiva sobre a redistribuição do rendimento em Portugal e na União Europeia”, publicado no Boletim Económico de Inverno, 2012.