O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior em declarações feitas ontem (28.12.2016) aos órgãos de comunicação social, em Coimbra, à margem da iniciativa em que esteve o Presidente da República na visita ao Instituto Pedro Nunes, afirmou ser “normal” que professores do ensino superior trabalhem com contratos zero.

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O Sindicato dos Professores da Região Centro desde sempre se insurgiu contra esta situação.

Há que distinguir situações: a do professor que faz umas conferências sobre o objecto da sua investigação, a dos professores, designadamente aposentados, convidados para orientarem doutoramentos, a dos que, sendo de outras instituições, se servem deste expediente para coordenarem projectos em unidades de investigação ou a dos professores que o são, de facto, de forma sistematizada. Por outro lado, investigadores há, pagos pela FCT, que são convidados a leccionar sem remuneração para ganharem experiência. Na UC (como em outras instituições de ensino superior, em todo o país) esta prática tem sido cada vez mais aceite, alegando-se que já são pagos como investigadores, logo não é preciso pagar-lhes pelas aulas.

Manuel Heitor apenas se referiu aos primeiros e, eventualmente, aos segundos, afirmando como é importante a "grande inter-relação entre os nossos docentes, que se dedicam a 100%, com aqueles que têm outras atividades e que vão temporariamente às instituições de ensino superior participar nos seus programas. É normal numa sociedade aberta, autónoma e livre".

Porém, o que não é normal é que se verifiquem diversas situações em que os “docentes zero” se sujeitam a duras condições de trabalho para garantir, apenas, currículo e, talvez, um lugar como docente ou investigador da universidade ou instituição de ensino superior politécnico.

A título de exemplo, refiram-se os hospitais universitários de Coimbra, onde, através de um regulamento estabelecido entre os CHUC e a Universidade, bem como com a Escola de Enfermagem de Coimbra, é possível um médico ou um enfermeiro leccionar com um contrato a tempo parcial, para manter a sua relação com o local de trabalho de origem, mas que é compensado no plano remuneratório e em redução horário do trabalho no respectivo hospital. Um processo tranquilo, aceitável, embora não isento de excessos na utilização do tempo de trabalho, quer pela UC, quer pela administração dos HUC. Porém, na mesma faculdade há médicos remunerados e outros que não o são.

O mesmo acontece um pouco por todo o lado, explorando-se, designadamente, bolseiros pós-doc.

Coloca-se, no entanto, a questão: Qual a diferença de um trabalhador que utiliza a sua experiência profissional, científica ou de investigador para leccionar numa universidade em horário integral ou parcial e um docente que é contratado para o mesmo efeito e a quem lhe é, e bem, atribuída uma retribuição? A resposta é simples: não se paga e com isso, equilibram-se orçamentos e ultrapassam-se rácios impostos de cima para baixo, dos governos para as universidades.

Hoje, um comentador afirmava ao microfone de uma rádio que tal não faz nenhum mal ao sistema, se se tratar de situações residuais e excepcionais.
Esta tem sido a lógica que tem presidido à desvalorização que o neoliberalismo faz do trabalho e que surge como estratégia para a transformação social assente na competitividade do conhecimento. Uma nova forma de trabalho escravo que teremos inevitavelmente de combater. Manuel Heitor afirma que isto é “normal” e está na lei.

Pois, então, se se enchem bocas com a afirmação de que temos uma sociedade democrática, respeitadora dos direitos humanos, altere-se a lei.

Fonte: SPRC