O documento apresentado pelo Governo em sede de concertação social fixando o enquadramento, os princípios orientadores da negociação e as áreas de intervenção para o chamado Acordo de médio prazo sobre competitividade e rendimentos caracteriza-se, desde logo, por ser um documento muito genérico e abstracto em todas as áreas que respeitam aos interesses dos trabalhadores e bastante mais detalhado, objectivo e concreto na resposta às reivindicações das organizações patronais, que aliás se mostram integralmente reflectidas neste documento.

De notar que o próprio título do Acordo representa uma mudança de perspectiva, uma vez que o que está inscrito no Programa do Governo é um acordo de médio prazo sobre salários e rendimentos, o que é bastante diferente de um acordo sobre competitividade e rendimentos.

A CGTP-IN considera que este projectado Acordo de Competitividade e Rendimentos, tal como aqui apresentado, constitui um embuste. Com efeito parte de uma base incompleta, na medida em que recusa abordar questões fundamentais quer para a discussão de acordos salariais, quer para a própria existência de diálogo social, como sejam a liberdade sindical, a dinamização da contratação colectiva e a estabilidade e segurança do emprego e o inerente combate à precariedade dos vínculos laborais. Sem a plena afirmação e concretização destes princípios fundamentais – liberdade sindical, direito de contratação de colectiva e segurança no emprego – não há possibilidade real de firmar, aplicar e monitorizar quaisquer acordos nomeadamente em matéria salarial.

O projecto de Acordo, apresentado pelo Governo, confunde e mistura melhoria de salários no sector privado e políticas públicas.

Na realidade, a politica de rendimentos tem várias determinantes, entre as quais avultam os salários, a contratação colectiva, a precariedade do emprego, mas também a legislação laboral, a política fiscal e o acesso à habitação, por exemplo, e só pela conjugação de políticas nestes vários domínios será possível alterar o modelo de baixos salários e vínculos precários que caracteriza actualmente o panorama laboral, bem como inverter a impressionante quebra verificada na parte dos salários na distribuição do rendimento nacional ao longo do tempo, sobretudo depois de 2011, havendo uma recuperação muito insuficiente na última legislatura.

Porém, olhando para as propostas contidas neste documento, nada vislumbramos que possa contribuir decisivamente para alterar o modelo dominante de baixos salários e precariedade laboral.

O que vemos é um documento profundamente desequilibrado, que preconiza uma ampla distribuição de apoios e benefícios às empresas para os mais variados fins, à custa do Orçamento do Estado, e que fica muito longe do que é possível e necessário para alterar o actual padrão de distribuição da riqueza entre o capital e o trabalho.

Uma situação inaceitável, tanto mais que no período de 1999 e 2019 a produtividade aumentou 17% enquanto os salários reais cresceram apenas 3%.

A CGTP-IN entende que a componente essencial de qualquer política de rendimentos não pode deixar de ser os salários e, portanto, a evolução dos salários deve constituir o núcleo de qualquer acordo de rendimentos de médio prazo, conforme aliás o Governo assumiu no seu Programa.

Assim, no que respeita à valorização dos salários, o documento apresentado afirma que a manutenção do poder de compra e os ganhos de produtividade requerem aumentos dos salários nominais até 3.2% em 2023; apresentando a seguinte tabela com a evolução da produtividade e da inflação entre 2020 e 2023:

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