20061108pareceracidentestraA CGTP-IN entregou ao Presidente da Comissão Parlamentar do Trabalho e Segurança Social, 903 pareceres, das diversas estruturas sindicais, sobre a proposta de lei n.º88/X que regulamenta os artigos 281º a 312º do Código do Trabalho, relativos ao Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais cuja discussão termina dia 7 de Novembro.

PROPOSTA DE LEI Nº 88/X

Regulamenta os artigos 281º a 312º do Código do Trabalho, relativos aos acidentes de trabalho e doenças profissionais

 

(Separata nº50/X do DAR, de 9 de Outubro de 2006)

 

 

Apreciação da CGTP-IN

 

 

Na generalidade

I – A CGTP-IN discordou desde o início da integração do regime da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais no Código do Trabalho, por se tratar de um regime muito específico, que envolve normas de diversa natureza, regula situações que extravasam o âmbito estrito da relação laboral e convoca a intervenção de entidades terceiras, alheias à relação laboral, como sejam as companhias seguradoras, as instituições de segurança social e os estabelecimentos de saúde.

 

Por outro lado, nunca foi clarificado o critério que presidiu à escolha das normas relativas aos acidentes de trabalho e doenças profissionais que deviam integrar o corpo do Código e das que deviam ser remetidas para regulamentação especial, sendo manifesto que a opção perfilhada pelo Código é distinta da seguida na actual Lei 100/97 e respectiva regulamentação.

 

Finalmente, o Código do Trabalho (e na sua esteira a presente Proposta) procedeu à alteração de um conjunto de conceitos e institutos sedimentados na doutrina e na jurisprudência, substituindo-os por noções de carácter vincadamente civilista, o que, em nosso entender, nada contribui para o aperfeiçoamento do regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nem para a melhoria da protecção dos trabalhadores sinistrados.

 

Neste contexto, a CGTP-IN continua a defender que a matéria relativa aos acidentes de trabalho e doenças profissionais deve ser objecto de regulação inteiramente autónoma, distinta do Código do Trabalho.     

 

 

II – Em segundo lugar, a CGTP-IN defende a alteração completa da filosofia actualmente subjacente ao regime reparatório dos acidentes de trabalho, na medida em que a perspectiva do regime actual, ao encarar o trabalhador apenas como entidade económica ou produtiva, se perfila como manifestamente lesiva do princípio da dignidade humana, ínsito no artigo 1º da Constituição da República.

 

Efectivamente, o dispositivo reparatório em matéria de acidentes de trabalho (quer o decorrente da Lei 100/97 e respectiva regulamentação, quer o do Código do Trabalho e presente Proposta) não tutela de facto o direito à vida e à integridade física do trabalhador, bens jurídicos constitucionalmente valorados como fundamentais; o bem jurídico protegido é essencialmente a integridade económica ou produtiva do trabalhador sinistrado, na medida em que os danos relevantes, indemnizáveis, são apenas a redução da capacidade de ganho ou de trabalho e, mesmo em caso de morte, o dano considerado é apenas a lesão de certa capacidade de rendimento que favorecia determinadas pessoas, portadoras de uma dependência económica relativamente ao trabalhador falecido.

 

Assim, o dano que é pressuposto da responsabilidade objectiva por acidente de trabalho não é a lesão, perturbação funcional ou doença provocadas pelo acidente, mas apenas a morte ou a redução da capacidade de ganho ou trabalho provocadas por essa lesão, perturbação ou doença. Por isso, mesmo que o acidente provoque lesão, perturbação ou doença, se destas não resultar a morte nem qualquer redução da capacidade de ganho ou trabalho, ainda que temporária, não há sequer acidente de trabalho, muito menos dano indemnizável. E muito embora as sequelas resultantes de tal acidente possam afectar irremediavelmente todos os outros aspectos da vida pessoal do trabalhador, tal não é considerado como dano relevante, nem por qualquer forma indemnizado.

 

Do mesmo modo e por esta mesma razão, são igualmente desconsiderados os eventuais danos morais sofridos pelo trabalhador sinistrado e ou pelos seus familiares.

 

Por outro lado, a integridade produtiva indemnizável no domínio do acidente de trabalho também não é absoluta, isto é, não se indemniza a lesão da capacidade produtiva integral do indivíduo, mas apenas aquela que é medida pelo seu salário contratual. Quer isto dizer que a medida legal da integridade produtiva tutelada pelo regime reparatório dos acidentes de trabalho é delimitada pelo benefício económico concretamente extraído pelo trabalhador sinistrado da relação de trabalho geradora do acidente, abstraindo completamente de quaisquer outros rendimentos realizados pelo individuo no exercício das suas aptidões pessoais.

 

Igualmente ignorada é a medida potencial ou virtual da capacidade produtiva lesada pelo acidente, uma vez que a reparação do acidente de trabalho é totalmente indiferente às virtualidades de alargamento futuro do rendimento que o sinistrado pudesse ter, considerando apenas a utilidade económica do rendimento no momento do acidente – nomeadamente não tem em conta os efeitos diversos que um acidente de trabalho ou doença produz, em termos de expectativas patrimoniais e não patrimoniais futuras, consoante se trate de um trabalhador jovem em início de vida ou de um trabalhador mais velho, já em fim de carreira e situação mais estabilizada a todos os níveis.

 

Concluímos assim que o actual regime reparatório dos acidentes de trabalho não só desconsidera o trabalhador enquanto ser humano e cidadão pleno, reduzindo-o à dimensão única da sua capacidade produtiva, mera peça de uma máquina, como nem sequer atende à integralidade dessa mesma capacidade produtiva, limitando-se a considerar relevante a utilidade económica extraída pelo trabalhador sinistrado da relação de trabalho geradora do acidente, no momento desse mesmo acidente.

 

Ora esta visão redutora do homem enquanto trabalhador é claramente incompatível com a concepção, perfilhada pela nossa Constituição, segundo a qual os trabalhadores, pelo simples facto de o serem e se encontrarem integrados numa determinada estrutura produtiva, não perdem os seus direitos de cidadania nem a sua dignidade humana, pelo que qualquer regime que, como o actual regime reparatório dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, se baseie numa desvalorização do ser humano enquanto trabalhador deve ser considerado, sem margem para dúvidas, como contrário à Constituição e lesivo do princípio da dignidade humana.

 

 

III – A presente Proposta de Lei, que visa regular o Código do Trabalho no tocante aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, não contribui substancialmente para a melhoria da protecção nestas eventualidades.

 

Embora seja possível encontrar, em alguns aspectos pontuais, regras aparentemente mais benévolas, na sua globalidade, o regime acaba por revelar-se em vários domínios menos favorável do que o actualmente vigente, constatando-se mesmo, em particular em disposições relativas às prestações a conceder, a previsão de limitações ou restrições que, embora aparentemente ligeiras, no seu conjunto acabam por determinar um enfraquecimento da protecção concedida. 

 

De salientar que a tentativa de aproximação entre o regime dos acidentes de trabalho e o das doenças profissionais, particularmente em aspectos onde as diferenças de tratamento decorrem e se justificam plenamente tendo em conta as diferentes formas de protecção nas duas eventualidades, está na origem de algumas destas restrições; simultaneamente, esta aproximação em nada contribui para a facilidade e clareza de leitura e interpretação do regime.

 

Por outro lado, a CGTP-IN considera totalmente inaceitável a substituição do salário mínimo nacional pela pensão mínima mais elevada do regime geral como indexante das prestações por acidente de trabalho e doença profissional, na medida em que implica uma injustificada redução de um conjunto de prestações atribuíveis ao sinistrados do trabalho e actualmente fixadas em múltiplos do salário mínimo.

 

Considerando que as prestações por acidente de trabalho e doença profissional não devem reger-se pelos mesmos princípios que as restantes prestações de segurança social (sem esquecer que as prestações por acidente de trabalho estão de facto fora do sistema público de segurança social), visto que não se trata de situações de risco social semelhantes à doença natural ou velhice, mas de um exclusivo risco laboral, directa e intrinsecamente ligado à relação laboral e aos rendimentos dela decorrentes, cuja responsabilidade, precisamente por isso, cabe em exclusivo às entidades patronais, não há razão para aproximar ou assimilar o regime reparatório dos acidentes de trabalho e doenças profissionais aos regimes de outras prestações atribuídas no âmbito do sistema público de segurança social.

 

Aliás, atendendo às características particularmente gravosas que estas eventualidades revestem e às circunstâncias em que ocorrem – no trabalho, por causa do trabalho, em benefício e no interesse da entidade empregadora – a protecção deveria ser particularmente alargada e sempre mais favorável do que a concedida em caso de incapacidade resultante de doença natural ou de acidente não laboral, coberta pelo regime de protecção na invalidez, no âmbito do sistema público de segurança social. 

 

Por último, no que respeita à regulamentação das matérias relativas à reabilitação e reintegração profissional, não podemos deixar de salientar que esta matéria tem sido especialmente negligenciada, nomeadamente ao permanecer durante vários anos sem qualquer regulamentação, e que a presente Proposta não contribui substancialmente para melhorar o panorama.

 

Efectivamente a regulamentação da reabilitação e reintegração profissional consubstancia-se num normativo bastante pobre, contendo diversas lacunas e ambiguidades e claramente orientado no sentido de desonerar as entidades empregadoras dos encargos inerentes à reabilitação e reintegração profissional dos trabalhadores sinistrados, onerando correspondentemente o serviço público de emprego e formação profissional, ou seja, o orçamento da segurança social.

 

 

 

Na especialidade

Acidentes de trabalho

 

 

  1. Trabalhador abrangido (artigo 2º)

 

A redacção deste artigo corresponde basicamente à redacção do artigo 12º do DL 143/99, de 30 de Abril, mas esta última disposição remete para o artigo 2º da Lei 100/97, que não tem correspondência no Código do Trabalho, que a presente Proposta vem regular.

Assim, os nºs 2 e 3 deste artigo 2º, na ausência de disposição definidora dos conceitos que visam desenvolver, ficam incompletos, impedindo nomeadamente que se tirem consequências das situações previstas em termos de aplicação da lei - falta a equiparação dos trabalhadores que se encontrem na dependência económica da pessoa servida e dos trabalhadores em situação de formação profissional a trabalhadores por conta de outrem para efeitos desta lei, isto é, no âmbito da reparação dos acidentes de trabalho.

 

 

  1. Avaliação e graduação da incapacidade (artigo 13º)

 

Esta disposição suscita um conjunto de dúvidas quanto à sua possível aplicação prática, nomeadamente porque parece apontar para a existência de uma dualidade de critérios e métodos de avaliação, não havendo depois referência à conciliação entre ambos.

 

Assim, nos termos do nº1, o grau de incapacidade será fixado por referência a um conjunto de critérios não estritamente médicos, implicando também uma apreciação de carácter social e profissional, ao passo que nos termos do nº3 se remete para a aplicação automática das regras definidas na Tabela Nacional de Incapacidades. Como a actual Tabela não considera os elementos referenciados no nº1, é pouco claro o modo como se ajustará a aplicação dos dois métodos.

 

Por outro lado, muito embora a aplicação automática e sem outras considerações das regras da TNI possa revelar-se em alguns casos injusta (o que também depende das regras estabelecidas na própria Tabela), constitui pelo menos um método objectivo de graduação, ao passo que a avaliação feita de acordo com os critérios fixados no nº1 terá muito de subjectivo.

 

Assim sendo, consideramos que, para garantia dos direitos e interesses dos sinistrados, a fixação da incapacidade terá de passar a ser feita sempre com recurso à via judicial, e nunca por acordo. 

 

 

  1. Médico assistente (artigo 18º)

 

Em nosso entender, a escolha do médico assistente deve ficar na disponibilidade do sinistrado, ou seja este deve ter sempre a possibilidade de recusar o médico designado pela entidade responsável e ser assistido por médico da sua escolha, em nome da necessária relação de confiança que deve ser estabelecida entre médico e doente.

 

 

  1. Transporte e estada (artigo 27º)

 

Há uma contradição insanável entre o disposto no nº1 e no nº3 deste artigo. Não se compreende como é que um sinistrado simultaneamente tem direito a transporte compatível com a sua condição e tem o dever de utilizar os transportes públicos.

 

Em nosso entender, a disposição do nº3 deve ser eliminada.

 

 

 

  1. Ajudas técnicas em geral (artigo 29º)

 

No nº3 é necessário definir concretamente, pelo menos de modo indicativo, quais os serviços públicos competentes para atribuição das ajudas técnicas.

Em matéria tão relevante, não aceitaremos qualquer tipo de indefinição ou omissão.

 

 

  1. Reabilitação profissional e adaptação do posto de trabalho (artigo 32º)

 

A inserção sistemática desta disposição, relativa à reabilitação profissional e adaptação do posto de trabalho, entre as disposições que regulam a atribuição de ajudas técnicas, não parece a mais adequada, já que se trata de matérias distintas.

 

Por outro lado, consideramos que a disposição da alínea b) do nº2 é totalmente inaceitável, porque corresponde a uma penalização do trabalhador sinistrado, em função do acidente sofrido – implica a perda de horas de formação (que é um direito de todos os trabalhadores, nos termos do Código do Trabalho) e a sua substituição por horas de reabilitação profissional, de que o trabalhador só tem necessidade precisamente porque sofreu um acidente ao serviço da sua entidade patronal.

 

Recorde-se que a reabilitação profissional do trabalhador sinistrado se insere plenamente no âmbito da reparação por acidente de trabalho, da responsabilidade da entidade empregadora ao serviço da qual ocorreu o acidente, e que o trabalhador não pode ser prejudicado nos seus direitos pelos encargos resultantes desta reparação

 

 

  1. Modalidades das prestações (artigo 35º)

 

A limitação prevista no nº2 deste artigo é completamente inaceitável.

 

As prestações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 são de carácter indemnizatório e visam compensar os rendimentos de trabalho perdidos em razão do acidente para que o sinistrado possa continuar a prover às suas necessidades e do respectivo agregado familiar; por seu lado, o subsídio de reabilitação profissional visa a frequência de acções de formação profissional necessárias e adequadas à reintegração do trabalhador no mercado de trabalho.

 

Tratando-se, então, de prestações com objectivos tão distintos, não faz sentido nem é justo limitar o montante de uma em função do recebimento e dos montantes das outras.

 

Aliás, a limitação prevista acaba por penalizar aqueles que pretendem reabilitar-se profissionalmente na sequência do acidente sofrido, premiando a acomodação e a inércia.

 

  1. Prestações por incapacidade (artigo 36º)

 

O disposto nas alíneas c) e d) do nº3 determina um alargamento das situações de incapacidade que dão automaticamente direito, não a uma pensão, mas a um capital de remição – a incapacidade igual a 30% passa a estar equiparada à incapacidade inferior a 30% e não à incapacidade superior a 30%, como sucede actualmente.

 

Esta alteração não parece ter qualquer justificação lógica nem encontra fundamento na melhor protecção dos sinistrados, destinando-se apenas a ajustar o regime da remição obrigatória de modo a não violar as decisões do Tribunal Constitucional sobre a matéria, servindo os interesses das entidades seguradoras.  ´

 

Por outro lado, não concordamos com a lógica que determina a redução da indemnização por incapacidade temporária durante o período de internamento, nos termos do nº 4 deste artigo 36º, porquanto o facto de as despesas clínicas e de alimentação estarem garantidas não significa que as outras despesas – que o sinistrado tinha antes de ser internado (como por exemplo e entre outras as relativas à sua habitação) e que eram cobertas pelos seus rendimentos de trabalho – tenham desaparecido. 

 

 

  1. Suspensão da prestação suplementar (artigo 43º)

 

A suspensão da pensão suplementar em caso de internamento nos termos do artigo 43º carece também de ser melhor ponderada.

 

A resolução do contrato de trabalho celebrado com a pessoa que presta assistência, nos termos do nº2, pode não ser a melhor solução em todos os casos. Possivelmente, quando cessa o internamento, o sinistrado continua a precisar da assistência de terceira pessoa, o que significa que terá de celebrar novo contrato com a mesma ou outra pessoa, o que pode não ser fácil no momento imediatamente a seguir à alta.

Logo, para obviar a este tipo de situação, a entidade responsável terá que assegurar, por qualquer meio adequado e efectivo, a assistência indispensável ao sinistrado entre o momento em que cessa o internamento e o momento da celebração de novo contrato com terceiro para prestação dessa assistência.

 

 

  1. Remição de pensões (artigo 62º)

 

Reconhecendo que o regime de remição de pensões proposto neste diploma é mais favorável do que o actualmente vigente, a CGTP-IN continua a defender que a remição de pensões deve ser sempre facultativa a requerimento do sinistrado ou beneficiário legal, dando inteira primazia à autonomia da vontade dos beneficiários.

 

Efectivamente, em nosso entender, só às vítimas de acidente de trabalho, seja o próprio sinistrado ou os seus familiares, enquanto titulares do direito a ser ressarcidos pelos danos sofridos, deve caber o direito de escolher a forma como pretendem ser ressarcidos.

 

Por outro lado, o alargamento do regime da remição obrigatória às pensões atribuídas por incapacidades iguais a 30% não encontra outro fundamento para além de servir os interesses das entidades seguradoras.

 

A ideia de que a incapacidade igual ou inferior a 30% não deve dar direito ao recebimento de uma pensão vitalícia, porque se trata de uma quantia irrisória e uma incapacidade deste tipo praticamente não afecta a capacidade de ganho, é também ela tributária da concepção subjacente a todo o regime reparatório dos acidentes de trabalho que vê o trabalhador apenas como uma entidade produtiva, uma peça de uma máquina, que pode ou não ser reparada.

 

Finalmente, entendemos também que devem ser excluídos da possibilidade de terem remidas as suas pensões, nos termos do nº4 do artigo 62º, os beneficiários legais menores.

 

 

     

Doenças Profissionais

 

    

1-     Âmbito (artigo 78º)

 

Em nosso entender o nº1 deste artigo enferma de uma incorrecção técnica.

 

Legalmente não existe nenhum regime dos trabalhadores “vinculados por contrato de trabalho”, mas sim o regime geral dos trabalhadores por conta de outrem (ver os artigos 28º e 29º da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, que aprova as bases do sistema de segurança social).

Em segundo lugar, mesmo os trabalhadores que não estão cobertos em todas as eventualidades não deixam normalmente de estar incluídos no regime geral; apenas pagam uma taxa reduzida em conformidade com as eventualidades protegidas.

 

Se, porventura, a lei pretende estender a protecção na doença profissional a outras realidades, deve dizê-lo com maior clareza, sob pena de a disposição se revelar muito confusa e de muito difícil interpretação.

 

2-     Montante da indemnização (artigos 93º e ss)

 

É eliminado o limite mínimo da retribuição de referência, actualmente constante do artigo 38º do DL 248/99, de 2 de Julho. Não encontramos justificação para esta alteração, que elimina a garantia de um mínimo remuneratório em favor dos beneficiários.

 

3-     Remição (artigo 118º)

 

Como decorre desta disposição, a remição das pensões por doença profissional é sempre facultativa. Constituindo esta proposta um esforço de aproximação entre os regimes da reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, não se compreende a razão pela qual não se procedeu, também neste caso, á unificação dos regimes de remição.

   

4-     Participação obrigatória (artigo 125º)

 

Resulta claro dos termos desta disposição que se pretende efectivar a obrigação de participação das doenças profissionais por parte dos médicos, o que consideramos extremamente importante.

 

Neste sentido, a fixação de um prazo para a participação é sem dúvida um passo positivo. Porém, apesar previsão da obrigação e da cominação do prazo para o seu cumprimento, o respectivo incumprimento não tem quaisquer consequências, o que é o mesmo que dizer que o cumprimento desta obrigação não é coercivamente imposto.

 

Quando o incumprimento de uma obrigação não é passível de qualquer sanção, que traduza a vontade e determinação do legislador em impor o seu cumprimento, estamos perante uma obrigação incompleta, cujo cumprimento depende inteiramente da vontade do obrigado. Em suma, uma obrigação que, de facto, só será cumprida se o obrigado a considerar como um imperativo de consciência.

 

Podemos, pois, concluir que neste campo não se avança rigorosamente nada e tudo fica na mesma.

 

 

 

Reabilitação e reintegração profissional

 

 

1)     Ocupação obrigatória e condições especiais de trabalho

(Artigos138º e 139º)

 

As situações relativas à incapacidade permanente e à incapacidade temporária terão de ser tratadas separadamente, sob pena de algumas das disposições propostas não fazerem sentido. Assim:

-        É preciso esclarecer o modo como se efectiva a obrigação prevista no nº3 do artigo 138º, no caso de se tratar de incapacidade permanente;

-        O nº1 do artigo 139º determina as condições de trabalho especiais de que goza o trabalhador a quem o empregador assegure ocupação em funções compatíveis durante o período de incapacidade – estando em causa todas as situações de incapacidade previstas no artigo 137º, esta referência não pode aplicar-se, por razões óbvias, às situações de incapacidade permanente (a incapacidade permanente é isso mesmo, é para sempre, não existe um período de incapacidade);

-        O nº2 do artigo 139º vai mais longe do que o número anterior e fala mesmo em período de incapacidade permanente... o que parece ser uma contradição nos próprios termos, na medida em que a incapacidade permanente é precisamente aquela que não desaparece, não se cura, ao fim de certo tempo, mas permanece para sempre…

 

É imprescindível que todas estas disposições sejam clarificadas, pois de contrário serão impossíveis de aplicar.

 

 

2)     Trabalho a tempo parcial e licença para formação (artigos 140º)

 

No nº7 deste artigo, relativo aos fundamentos de recusa por parte do empregador, em que prevalece o interesse da empresa, parece-nos que é de ponderar solução diferente para as situações em que o pedido do trabalhador para trabalhar a tempo parcial tenha como fundamento razões de saúde devidamente comprovadas – neste caso o direito à saúde deve prevalecer sobre o interesse da empresa.

 

 

3)     Avaliação (artigo 141º)

 

A referência à possibilidade de existirem dúvidas sobre as incapacidades não nos parece muito clara, na medida em que normalmente as incapacidades resultantes de acidente de trabalho ou doença profissional são definidas no respectivo processo, na maior parte dos casos por via judicial e, no caso da doença profissional, pela entidade pública competente (de momento o CNPRP) – será que se pretende pôr em causa estas decisões, e mormente as judiciais, mediante um simples parecer de peritos do serviço competente na área do emprego e formação profissional?

 

Por outro lado, entendemos que é igualmente necessário esclarecer devidamente em que situações, de que forma e em que condições é que a ocupação compatível com o estado do trabalhador vítima de acidente de trabalho ou doença profissional (que é uma obrigação do empregador ao serviço do qual se acidentou ou contraiu a doença) pode ser assegurada por outro empregador. É que a lei refere esta possibilidade, mas não a prevê nem regula em termos concretos.

 

     

4)     Encargos com a reintegração profissional (artigo 145º)

 

A CGTP-IN entende que os encargos com a reabilitação e reintegração profissional do trabalhador devem correr por conta do empregador ao serviço do qual se acidentou ou contraiu a doença profissional, pois só este está adstrito ao cumprimento do dever de ocupação obrigatória nos termos dos artigos 306º e 307º do Código do Trabalho, além de ser o responsável pela reparação dos danos sofridos pelos trabalhadores ao seu serviço. No caso dos acidentes de trabalho, o seguro obrigatório, que visa precisamente transferir a responsabilidade do empregador nesta matéria, deve cobrir todas estes encargos.

 

Assim, e sem prejuízo dos apoios técnicos e financeiros previstos, o serviço público de emprego não pode nem deve, através do erário público, co-financiar encargos que são da exclusiva responsabilidade das entidades empresariais privadas.

 

Neste sentido, consideramos que os encargos com a reintegração profissional previstos no artigo 145º desta Proposta não devem ser comparticipados pelo serviço público de emprego e devem ter como único limite o que for necessário para reintegrar profissionalmente o trabalhador.

 

Consideramos inaceitável que a regulação destas matérias esteja orientada no sentido de, na maior parte das situações, desonerar as entidades empregadoras das suas obrigações e onerar correspondentemente os serviços públicos de emprego (ou seja, os orçamentos do Estado e da segurança social) com os encargos resultantes da reintegração dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional, que são da responsabilidade dos respectivos empregadores.     

 

 

Responsabilidade contra-ordenacional

(artigos 149º e ss)

 

Em primeiro lugar consideramos lamentável que numa matéria que põe em causa direitos fundamentais como o direito à vida, à saúde e à integridade física, a única contra-ordenação muito grave prevista seja relativa à não prestação de primeiros socorros, não se tendo encontrado outras condutas passíveis da sanção mais gravosa.

 

No que diz respeito à contra-ordenação definida na alínea c) do nº2 do artigo 153º não é claro qual a conduta ou condutas penalizadas – a violação das condições de segurança pelo trabalhador, ou o incumprimento do dever de formação e informação por parte do empregador que não tornou acessíveis, de acordo com o respectivo grau de instrução, as regras de segurança aos trabalhadores?

 

Em termos de ocupação compatível (artigo 155º), as contra-ordenações não punem a violação de todas as obrigações previstas, nomeadamente as dos artigos 138º; nº3 e 139º, nº2, relativas ao pagamento de retribuição, tal como não pune o incumprimento das obrigações previstas no artigo 143º, nº2 ou no 145º, nº1.      

 

Em conclusão:

 

No entender da CGTP-IN, o regime da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais deveria ser inteiramente retirado do âmbito do Código do Trabalho e toda a filosofia da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais deveria ser objecto de uma discussão alargada e profunda na sociedade, no sentido de uma alteração radical, à luz dos direitos de cidadania dos trabalhadores e tendo em vista o respeito pelo princípio da dignidade humana.

 

A reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais é, desde há largos anos, um gravíssimo problema de ordem social, ao qual não tem sido dado resposta cabal, sobretudo por falta de vontade política, quiçá de afrontar os poderosos interesses do sector segurador que, ao mínimo sinal de mexida no regime da reparação dos acidentes de trabalho, se movimenta imediatamente, de modo agressivo, no sentido de travar qualquer iniciativa contrária aos seus interesses.

 

Note-se que a deficiente cobertura na eventualidade acidentes de trabalho se deve também, largamente, ao facto de o regime reparatório estar submetido a uma lógica economicista do lucro vigente no sector dos seguros privados, sem que nenhum governo se tenha mostrado seriamente empenhado em integrar esta eventualidade no sistema público de segurança social, apesar de o princípio estar consagrado no nosso ordenamento jurídico desde 1984.

 

Por outro lado, a integração do regime reparatório dos acidentes de trabalho e doenças profissionais no Código do Trabalho não representou qualquer mais valia, muito pelo contrário, e a presente Proposta de Lei de regulamentação também não contribui para melhorar a protecção dos trabalhadores sinistrados, limitando-se, em grande parte, a manter o status quo e a proceder a pequenas alterações pontuais, algumas delas em detrimento dos direitos e interesses dos trabalhadores sinistrados.

 

Considerando que a protecção nos acidentes de trabalho e doenças profissionais é já extremamente deficiente e o valor das prestações vergonhosamente reduzido, não assegurando efectivamente aos trabalhadores sinistrados a indemnização completa que seria exigível nestes casos, a CGTP-IN rejeita frontalmente quaisquer alterações que determinem a redução das prestações devidas aos sinistrados do trabalho ou, em geral, qualquer enfraquecimento da protecção a que têm direito.

 

 

Lisboa, 7 de Novembro de 2006