A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), no exercício das competências atribuídas internacionalmente às inspecções do trabalho, tem de assumir plenamente o seu papel de organismo vocacionado para o controlo e a fiscalização do cumprimento das leis do trabalho, e o sancionamento do incumprimento dessas mesmas leis, fazendo respeitar os direitos dos trabalhadores e garantindo a existência de condições de trabalho dignas em todos os aspectos.

No âmbito destas funções, e a par dos seus deveres inspectivos e sancionatórios, a ACT tem ainda como funções a promoção de “formação especializada nos domínios de segurança e saúde no trabalho” e o desenvolvimento de “acções de sensibilização, informação e aconselhamento no âmbito das relações de trabalho” (DL 167-C/2013).

O Governo PSD/CDS tem procurado paralisar a actividade da ACT. Numa primeira fase, através do expurgo das suas competências, que sendo uma tendência assumida por vários governos em nome de uma aparente “desburocratização”, foi aprofundada na revisão do Código do Trabalho de 2012 – nomeadamente isentando os empregadores do cumprimento de obrigações de comunicação à ACT. Assim, com a alteração da lei 23/2012 ao Código de Trabalho as entidades empregadoras deixaram de estar obrigadas a enviar o regulamento interno da empresa (art. 99º), a comunicar os elementos relativos à empresa antes do início de actividade (art. 127º), a comunicar o mapa de horário de trabalho (art. 216º), bem como de enviar o acordo de isenção de horário de trabalho (art. 218º) e comunicar a existência do seguro de acidentes de trabalho.

Numa segunda fase, o Governo tenta paralisar a ACT através do esvaziamento dos seus meios, quer humanos, quer técnicos e financeiros. A paralisação da actividade inspectiva e sancionatória é tanto mais útil ao Governo e aos empregadores quando estes têm procurado, até ao limite e a todo o custo, desregulamentar e flexibilizar as condições e relações de trabalho.

Em termos de meios humanos, e mais concretamente em relação aos inspectores do trabalho, o que se tem verificado é uma diminuição progressiva desde 2011, sobretudo devido à não substituição de trabalhadores que se aposentaram (Quadro 1). No final deste ano a ACT terá 346 inspectores num quadro em que, a par das condições de saúde no trabalho, responde também pela verificação do cumprimento da legislação laboral e das convenções colectivas de trabalho (sendo que, a nível internacional, as inspecções do trabalho só detêm responsabilidades na primeira matéria).

 

Quadro 1 – Número de inspectores da ACT

 

 

2010

2011

2012

2013

Março 2014

2014 (p)

Nº inspectores do trabalho

384

404*

391*

382*

365*

346*

 

Cortes cegos asfixiam ACT

Além da redução do número de inspectores, a ACT tem sido sujeita a cortes orçamentais sucessivos, nomeadamente nas receitas provenientes do Orçamento de Estado e do Orçamento da Segurança Social (Quadro 2).

 

Quadro 2 – Receitas da ACT por fonte de financiamento

 

(em euros)

2011

2012

2013

2014

Variação 2011-2014

Transferências do OE

10.892.215

6.942.615

6.990.748

5.084.082

-53%

Receitas Próprias (orçamentadas)

7.222.500

6.721.419

7.146.000

6.411.563

-11%

Transferências Segurança Social

26.017.241

22.073.403

22.244.741

18.721.788

-28%

Total

44.131.956

35.737.437

36.381.489

30.217.433

-32%

Fonte: Orçamento de Estado; Mapas de Lei dos Serviços Integrados

 

 

 

A diminuição da receita orçamentada da ACT tem-se reflectido na degradação das condições de trabalho dos inspectores e, consequentemente, na capacidade inspectiva. Fruto da desorçamentação, as viaturas ao serviço encontram-se no limite da utilização em segurança (a maioria tem já mais de 16 anos, tendo bastantes ficado inoperacionais devido à falta de verbas para proceder à sua reparação), os constrangimentos na utilização de viatura própria para fins inspectivos são crescentes, estendem-se os horários de trabalho para lá do permitido por lei, e a manutenção regular das instalações tem sido posta em causa em diversas ocasiões.

Em 2014 a situação da ACT irá degradar-se significativamente, com as verbas transferidas pelo Orçamento de Estado e Orçamento da Segurança Social a serem manifestamente insuficientes para assegurar o pagamento de todos os compromissos assumidos, bem como as necessidades reais associadas à actividade da ACT.

5.084.082€ referentes à dotação do Orçamento de Estado – determinando uma redução de 1,9 milhões de euros face a 2013 (-27,3%);

18.721.788€ referentes à dotação da Segurança Social – determinando uma redução de 3,5 milhões de euros face a 2013 (-15,8%);

6.411.563€ referentes a receitas próprias (muito acima dos 3 milhões previstos inicialmente pela ACT )

No total das receitas (as supra mencionais, mais as receitas provenientes de fundos europeus, FEDER, e ainda as provenientes de outras fontes de financiamento), a ACT terá menos cerca de 6.2 milhões euros do que em 2013, o que significa uma quebra de 16% nos seus recursos (aos quais se retiram ainda 916,8 mil euros referentes às cativações e reservas obrigatórias).

A discrepância entre as dotações orçamentais da ACT e as suas reais necessidades terá como consequências: a impossibilidade de pagar todas as despesas com pessoal (incluindo as remunerações dos trabalhadores que, estando previsto que se aposentem, possam não efectivar a aposentação); a impossibilidade de cumprir o valor assumido com as Unidades Ministerial de Compras relativamente a higiene e limpeza; a não aquisição de material de escritório necessário; a não reparação das viaturas de serviço, algumas já inoperacionais; a não representação do Estado Português em reuniões de trabalho internacionais promovidas pela OIT e pela União Europeia; a não manutenção do nível adequado de formação e competências internas dos trabalhadores da ACT; a falta de serviços de vigilância a partir de Maio de 2014 nas instalações que ainda os têm (colocando em causa a integridade física dos trabalhadores) etc. A falta de cabimentação orçamental colocará ainda em causa a realização de campanhas de informação e sensibilização relativas às relações de trabalho e da Segurança e Saúde no Trabalho, a assistência aos equipamentos das instalações, a continuidade do Programa Operacional de Apoio à promoção da Seg. e Saúde no Trabalho, entre outras.


É preciso pôr a ACT a intervir mais e melhor

Nos últimos anos tem-se observado uma reorientação da actividade da ACT para as campanhas de sensibilização e formação e prestação de informações, em detrimento das funções inspectivas e sancionatórias. Na verdade, a intervenção da ACT pauta-se por ser, no essencial, de aconselhamento, sensibilização e de informação, o que a torna inofensiva e pouco respeitada pelas empresas, que por sua vez se têm habituado a ver nela um elemento do sistema governamentalizado, comprometido com a desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho. No plano coercivo, a ACT usa de menos os poderes sancionatório que a lei lhe confere, em favor do levantamento de autos de advertência, numa lógica de pedagogia, de informação e sensibilização dos infractores; ou seja, é caso para dizer a ACT intervém pouco e mal, como se pode constatar nos seguintes exemplos:

O STRUP (Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal) solicitou, em 2013, 53 intervenções à ACT, tendo obtido apenas 19 respostas. Dos pedidos constam violações de direitos fundamentais dos trabalhadores como seja a violação do direito à greve, o atraso no pagamento da retribuição, o excesso de horas suplementares e o não pagamento das mesmas, a falta de condições de higiene nas empresas, a alteração unilateral dos horários de trabalho ou, entre outros, o assédio sobre trabalhadores e seus representantes;

O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul, solicitou a intervenção em oito locais de trabalho, não tendo obtido qualquer resposta. Em causa estão salários em atraso, agressão física a trabalhadores, o não reconhecimento dos delegados sindicais e seus direitos, a negação em fazer o desconto da quotização sindical no recibo aos trabalhadores que assim o pretendem, o não pagamento de salários atempadamente ou a diminuição, unilateral, do vencimento dos trabalhadores

A FEVICCOM (Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro) solicitou, em Novembro de 2013, uma reunião ao Inspector-Geral da ACT, na sequência de uma queixa por incumprimento do pagamento do subsídio de refeição em 3 fábricas de um mesmo grupo, que continua sem resposta;

O SITE CSRA (Sindicato das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente) e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e actividades afins, apresentaram sucessivas queixas por substituição de grevistas, para as quais não obtiveram quaisquer respostas;

O CESP (Sindicatos dos Trabalhadores do Comércio, Escritório e Serviços de Portugal) continua a não ter resposta para 40 queixas apresentadas, relativas ao Distrito de Lisboa.


Reforçar a vertente inspectiva e sancionatória da ACT

Acresce que os serviços da ACT, ao publicarem na sua página um extenso conjunto de “perguntas mais frequentes” sobre a legislação laboral, prestam-se a fazer e divulgar a sua interpretação do Código de Trabalho, quando essa função cabe aos tribunais, ignorando o que está previsto nas convenções colectivas. Esta reorientação de funções fica bem visível na drástica redução do número de visitas dos inspectores aos locais de trabalho (quebra de 35% entre 2010 e 2012), em especial naquelas realizadas no âmbito das relações de trabalho (-65% entre 2010 e 2012 ).

Sem pôr em causa a utilidade e urgência das campanhas promovidas e desenvolvidas, nomeadamente na área de segurança e saúde do trabalho, a CGTP-IN considera fundamental que a actividade da ACT seja orientada sobretudo para a inspecção/fiscalização do cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais aplicáveis às relações de trabalho. A desvalorização desta vertente implicará, sem sombra de dúvidas, o aumento da precariedade laboral e das ilegalidades cometidas em termos de contratos, horários e condições de trabalho.

Considerando a crescente importância das competências da Autoridade para as Condições do Trabalho num quadro de aumento de exploração dos trabalhadores e da tentativa de negação de direitos laborais fundamentais – previstos na Constituição, na Lei Laboral e nas Convenções Colectivas de Trabalho – a CGTP-IN reivindica e exige que esta seja dotada dos meios necessários ao cumprimento pleno dos seus objectivos. Tal implica o reforço do número de inspectores do trabalho, a garantia dos seus direitos e das suas condições laborais, bem como o reforço orçamental da ACT, nos moldes em que esta aponta como fundamentais para executar as suas funções. A CGTP-IN responsabiliza ainda o Governo pelo eventual aumento do número de acidentes e doenças profissionais que decorram da falta de fiscalização e inspecção das empresas e locais de trabalho.


20 de Fevereiro de 2014