cgtp 8marcoConciliação entre a vida profissional e a vida familiar e pessoal

Portugal é o quarto país da União Europeia onde se trabalha habitualmente mais horas por semana, a seguir à Grécia, Áustria e Reino Unido1.

Em 2018 os trabalhadores a tempo completo trabalharam, em média, 41 horas semanais, mas no sector da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca chegaram às 43 horas.

Trabalhadoras e trabalhadores estão cada vez mais sujeitos à desregulação da sua vida laboral. Horários longos, adaptabilidades, bancos de horas, horários concentrados, laboração contínua, ataque ao descanso aos sábados e domingos têm-se vindo a acentuar e têm implicações negativas na organização da sua vida pessoal e familiar, no seu direito ao lazer, na sua saúde.

Mais de metade dos trabalhadores trabalha por turnos, à noite, ao sábado ou domingo ou numa combinação destes tipos de horários, sendo as mulheres trabalhadoras 44% do total.

Cerca de 915 mil mulheres trabalham ao sábado, mais de 538 mil trabalham ao domingo, 382 mil trabalham por turnos e 162 mil à noite.

Torna-se assim difícil conciliar a vida pessoal e familiar com a vida profissional.

De acordo com o Módulo ad hoc do Inquérito ao Emprego do 2.º trimestre de 2018 sobre este tema, para 42% dos trabalhadores por conta de outrem é raramente possível ou mesmo impossível alterar o seu horário de entrada e/ou saída diário para prestarem cuidados a filhos menores de 15 anos ou a familiares com 15 e mais anos. As percentagens são semelhantes para homens e mulheres.

As dificuldades aumentam quando é necessário ausentar-se durante dias completos por esse motivo: 58,5% dizem ser raramente possível ou mesmo impossível.

Se nestes indicadores os dados há alguma aproximação entre mulheres e homens, no caso das interrupções na carreira profissional já não é assim: 84,1% dos que já interromperam a actividade profissional para cuidar de filhos menores de 15 anos eram mulheres (inclui licença parental inicial), sendo 78,4% no caso de interrupções para cuidar de familiares com 15 e mais anos.

Não obstante os homens trabalharem habitualmente, em média, mais tempo que as mulheres na sua actividade remunerada, no trabalho não pago acontece o inverso.

Segundo o Inquérito aos Usos do Tempo, de 2015, as mulheres trabalham 8h35 por dia no seu emprego remunerado e os homens 9h22.

Mas relativamente ao trabalho não pago – tarefas e responsabilidades no quadro doméstico/familiar – as mulheres com actividade profissional despendem mais 1h40 por dia útil que os homens.

Assim, elas gastam 4h17 por dia útil em trabalho não pago face a 2h37 no caso dos homens.

Refira-se que as diferenças são maiores nas tarefas domésticas do que nos cuidados à família.

O tempo médio diário de trabalho total (isto é, emprego remunerado mais tarefas e responsabilidades no contexto familiar) é de 12h52 para as mulheres e 11h39 para os homens, ou seja, um diferencial de 1h39 em desfavor das mulheres.

E é esta diferença que também ajuda a explicar porque é que as mulheres trabalhadoras realizam menos trabalho suplementar que os homens.

Maternidade e paternidade

Em 2018 nasceram mais crianças que em 2017 em Portugal2.

Contudo, apesar de alguma recuperação do número de nascimentos desde 2015, o nosso país continua a ter das mais baixas taxas de natalidade da Europa. Acresce a emigração que, embora tenha vindo a diminuir desde de 2015, ainda fez sair do país 178 mil portugueses em 2016 e 2017, a maioria dos quais jovens.

A manter-se a tendência actual a população portuguesa ficará abaixo dos 10 milhões de habitantes a partir de 2033 e recuará até aos 7,7 milhões em 2080, de acordo com as projecções do INE.

O que obstaculiza a natalidade, em primeiro plano são os baixos rendimentos e o que a retarda, para além destes, são os vínculos precários.

Sem a alteração das políticas de emprego e de rendimentos, sem melhores condições de vida e de trabalho e protecção social adequada, sem o respeito pelos direitos de maternidade e paternidade nas empresas e serviços, não será possível inverter a espiral de envelhecimento da população.

Os dados da realidade e as tendências estimadas não reflectem, contudo, uma vontade generalizada por parte da população portuguesa em ter menos filhos.

Apesar da maioria dos casais com filhos desejar ter mais do que uma criança (2 a 3), é cada vez mais comum ter-se apenas um filho.

As razões mais apontadas pelas mulheres que pensam não vir a ter mais filhos são os “custos financeiros associados a ter filhos” e a “dificuldade para ter emprego”.

Quando inquiridas sobre se devem existir incentivos à natalidade, mais de 90% de mulheres e homens respondeu que sim.

O “aumento dos rendimentos das famílias com filhos” foi considerada a medida mais importante, seguindo-se a “facilitação das condições de trabalho para quem tem filhos, sem perder regalias”.

O alargamento do acesso a serviços para ocupação dos filhos durante o tempo de trabalho dos pais foi considerada a menos importante.

Além de não se concretizar a maternidade e a paternidade desejadas, tem-se filhos cada vez mais tarde.

A idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho era de 23,6 anos em 1980, tendo aumentado para 30,3 anos em 2017.

A percentagem de famílias monoparentais do sexo feminino era de 86,7% (Censos, 2011).

Por outro lado, verifica-se uma contínua adesão dos pais trabalhadores à partilha de licença parental que passou de 0,5% em 2005 para 34,1% em 2016.

Em 2018 a CITE emitiu 727 pareceres, 84% relativos à intenção de recusa por parte das entidades patronais em recusar o horário flexível a trabalhadores com filhos menores de 12 anos, a maioria dos quais pedidos por mães trabalhadoras.

Em 85% dos casos a CITE foi favorável ao pedido dos trabalhadores para flexibilizar o horário de trabalho3.

Doenças profissionais (lesões músculo-esqueléticas)

As mulheres trabalhadoras continuam a ser as mais afectadas pelas doenças profissionais que, segundo a OIT, matam seis vezes mais trabalhadores a nível mundial que os acidentes de trabalho e deixam incapacitados milhares de trabalhadores.

Em 2017 o número de participações obrigatórias por doença profissional desceu, mas continua mais elevado que em 2012, o mesmo acontecendo com as certificações.

Ao contrário do que se verifica entre os homens, em que as certificações parecem apresentar uma tendência de diminuição, no caso das mulheres trabalhadoras a tendência é de aumento.

As mulheres trabalhadoras são as mais afectadas pelas doenças profissionais - que na esmagadora maioria são incapacitantes -, representando 70% do total das certificações.

A maioria das incapacidades resulta de lesões músculo-esqueléticas4.

Discriminação salarial

Em Portugal, pelos dados mais recentes5, as mulheres ganham menos 14,9% que os homens em trabalho igual ou de valor igual considerando as remunerações base no sector privado e no sector empresarial do Estado, sendo a diferença maior nas empresas privadas (22,6%), do que nas empresas públicas (13,4%).

O diferencial salarial sobe para 18,3% se se considerarem os ganhos mensais, ou seja, o salário base acrescido do pagamento por horas extraordinárias, prémios e subsídios regulares, já que os homens fazem mais trabalho extraordinário e alcançam mais prémios, na maioria das vezes penalizadores das ausências ocorridas sobretudo entre as mulheres, como as relacionadas com a família.

A desigualdade é ainda mais elevada quando comparamos os ganhos nas qualificações mais altas, atingindo um diferencial de 27,6% entre os quadros superiores.

Não há dados publicados sobre as remunerações na Administração Pública por sexo, admitindo-se que a diferença seja menor. No entanto, o acesso de mulheres a cargos dirigentes é de apenas 37%, apesar de 60% dos trabalhadores do sector serem mulheres6.

Não só os salários auferidos pelas mulheres trabalhadoras são em média mais baixos que os dos homens trabalhadores, como elas ocupam com maior frequência postos de trabalho em que apenas se recebe o salário mínimo nacional. Em Outubro de 2017, cerca de 27% das mulheres recebiam o salário mínimo, comparativamente com 17% dos homens7.

O aumento verificado em 2019, de 600 euros, é insuficiente face às necessidades dos trabalhadores e situa-se pouco acima do limiar de pobreza. Se o salário mínimo fosse de 650 euros, tal como reivindicado pela CGTP-IN para 2019, o diferencial entre mulheres e homens no sector privado e sector empresarial do Estado em desfavor daquelas baixaria de 14,9% para 13,3%, ou seja, uma diminuição de 1,6 pontos percentuais.

Tal significaria uma redução de 11% na discriminação salarial (salário base) só por esta via8.

Mas é necessário também um aumento geral dos restantes salários, incluindo na Administração Pública.

40% dos postos de trabalho criados no 1º semestre de 2018 tiveram como salário o mínimo garantido por lei9, situação que não pode ser desligada do bloqueio existente na negociação colectiva.

É necessário e urgente desbloquear a negociação e a contratação colectiva, bem como tomar medidas efectivas para a eliminação das discriminações salariais entre homens e mulheres.

Precariedade

Portugal é o terceiro país da União Europeia com maior percentagem de trabalhadores com vínculos precários, a seguir à Espanha e à Polónia e substancialmente acima da média daquele espaço (22% em Portugal contra 14,3% na média da UE). Esta situação não se alterou face a anos anteriores.

O trabalho precário atinge sobretudo os mais jovens: 41,5% dos menores de 35 anos têm vínculos precários e a maioria são mulheres.

Entre as menores de 25 anos a precariedade do emprego ultrapassa os 66%.

Estarão assim nesta situação 890 mil trabalhadores, de acordo com as fontes já referidas.

Cremos, no entanto, que o problema é mais vasto e que mais de 1.200 mil trabalhadores têm vínculos precários em Portugal, ou seja, mais de 31% dos trabalhadores por conta de outrem.

Além da insegurança laboral e de um mecanismo de chantagem sobre os trabalhadores, a precariedade serve para pagar salários mais baixos.

Os trabalhadores com vínculos não permanentes auferem salários 20% a 40% mais baixos por hora do que os trabalhadores com vínculo efectivo, de acordo com os dados dos Quadros de Pessoal.

Salários mais baixos repercutem-se por sua vez em prestações sociais mais baixas, seja no activo, como em caso de maternidade, doença, desemprego, seja em situação de reforma.

Por isso o risco de pobreza é mais elevado entre os trabalhadores com contratos não permanentes.

Segundo o Eurostat, em 2017, 11,4% dos trabalhadores em situação de precariedade em Portugal eram pobres face a 6,4% no caso dos trabalhadores permanentes, mesmo após as transferências sociais (prestações e outros apoios sociais).

Assédio

Num quadro de enorme desequilíbrio de poder na relação laboral, a favor do patronato, para o que concorreram, de forma determinante, as sucessivas alterações da legislação laboral, o aumento massivo de trabalhadores com vínculo de trabalho precário, a intensificação de ritmos de trabalho e a acelerada redução de trabalhadores efectivos, recrudescem as situações de intimidação, repressão e perseguição de trabalhadores e dos seus representantes, que a lei enquadra no conceito de assédio.

O assédio no trabalho, não sendo um problema novo, mas assumindo hoje novas e gravosas dimensões, reconhecido pelos trabalhadores como uma forma de tortura ou terrorismo psicológico, resulta de um processo repetido ou sistemático de perseguição, intimidação patronal e comportamentos abusivos.

Passados mais de 25 anos sobre o único Inquérito Nacional que teve como objecto o assédio sexual, um estudo recente de 2016, confirmou que 16,5% da população activa portuguesa ao longo da sua vida profissional, já viveu alguma vez uma situação de assédio.

Ou seja, num contexto em que os Sindicatos são impedidos de entrar em muitos locais de trabalho e o exercício da actividade sindical é, frequentemente, posto em causa, mais de 850 mil trabalhadores já foram vítimas de perseguição e assédio no emprego e cerca de 650 mil foram vítimas de assédio sexual.

As mulheres são as principais vítimas.

De facto, um dos aspectos que o estudo confirma é que o assédio, tanto moral como sexual, não é neutro, atingindo maioritariamente as mulheres.

Como é referido no estudo, estes dois tipos de assédio podem sobrepor-se, o que corresponde a uma dupla agressão.

Não se podem excluir as relações de poder na coacção e no assédio, quando mais de 80% do assédio é praticado por superiores hierárquicos e chefias directas.

O Inquérito às Condições de Trabalho em Portugal Continental, de Setembro de 2016, refere que, durante os últimos 12 meses que o antecederam, perto de 5% dos trabalhadores e trabalhadoras inquiridas declararam ter sido confrontadas com actos de violência física, intimidação, entre outros.

Também neste âmbito as mulheres trabalhadoras (6,1%, face a 3,4% de homens trabalhadores) são as principais vítimas.

CIMH
27.02.2019

 

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1 Fonte: Eurostat, Labour Force Survey (INE, Inquérito ao Emprego). Dados de 2017.

2 Fonte: Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge

3 JN, 23/01/2019

4 Relatório de Actividades de Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho em 2017 da ACT. Os dados citados são do Departamento de Prevenção de Riscos Profissionais do Instituto da Segurança Social.

5 Fonte: Quadros de Pessoal 2017, GEP/MTSSS, excepto diferencial empresas públicas/privadas, cuja fonte é o Eurostat, reportando-se os dados a 2016.

6 Fonte: DGAEP - SIOE

7 Fonte: GEP/MTSSS, Inquérito aos Ganhos e Duração de Trabalho.

8 A estimativa pressupõe que os restantes salários terão um aumento semelhante para homens e mulheres.

9 Fonte: 10º Relatório de acompanhamento do acordo sobre RMMG, GEP/MTSSS.