ENSINO SUPERIOR E CIÊNCIA
Um Orçamento poucochinho, como poucochinhas têm sido as políticas do governo para esta área
O Orçamento do Estado 2022 (OE 2022) não dá resposta aos problemas que afetam o Ensino Superior e Ciência, sejam os das instituições ou os que dificultam a atividade dos seus profissionais. Poder-se-ia afirmar que este é um orçamento de estagnação, contudo, porque a estagnação se prolonga há anos, pode dizer-se, sem errar, que este é um orçamento que agrava os problemas por impor o seu arrastamento.
Pretende, contudo, o governo disfarçar as insuficiências e, como habitualmente acontece, tenta usar os números a seu favor, ocultando o seu real significado em ações concretas. Refere o governo que o orçamento para o Ensino Superior e Ciência vai crescer 21% em relação a 2021, comparando o orçamentado com o estimado para o ano que ainda corre, mas, se o realizado for o que se estima, há uma pergunta que, de imediato, se coloca: como é que numa área subfinanciada como esta, o governo resolveu poupar quase 412 milhões de euros? Ou será que foi incompetente para aplicar toda a verba que tinha previsto? Explicar-se-á, talvez, por que não foi dada resposta positiva aos problemas de uma precariedade que se arrasta, muitas vezes, décadas na vida dos investigadores e dos docentes; explicar-se-á por que razão muitas instituições de ensino superior (IES) e muitos centros de ciência continuam sem conseguir reforçar, atualizar e renovar equipamentos, dos informáticos aos laboratoriais.
Na verdade, tivesse o MCTES cumprido a sua missão não desperdiçando a verba que estava destinada a esta área e o aumento não iria além dos 5%. A questão que, neste quadro, se coloca não deverá ser o que se orçamenta, mas o que irá o governo gastar desse orçamento e, aí sim, se vai ou não haver crescimento ou incapacidade, incompetência (quiçá, falta de vontade política) para realizar todo o orçamentado. E atenção, se tivermos em conta as verbas que, por exemplo, não são alvo de cativação – e essas, com rigor, são as receitas provenientes de impostos, que são transferidas para as IES em duodécimos –, que resultam do designado contrato de legislatura, o crescimento orçamental na área da CTES, em 2022, ficará pelos 2%.
Estamos, pois, perante um orçamento poucochinho, que é mais do mesmo se tivermos em conta o passado; uma verba que, se tivermos em consideração o valor do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 e as projeções do Banco de Portugal para 2021 e 2022, não irá além de 1,4% do PIB. As recomendações de organizações internacionais que atuam nestas áreas são no sentido de essas verbas serem da ordem dos 3%. Isto significa que não chegaria a metade daquele valor de referência.
Mas se há um aumento de 2%, 5% ou 21%, de acordo com a leitura que se pretenda fazer, a verdade é que o OE 2022, na área da CTES, está ainda a 30% do orçamentado para 2009.
Para levar por diante um combate determinado à precariedade, para usar palavras dos governantes, para o combate ao abandono escolar, designadamente garantindo-se uma política de apoio social adequada, para o aumento da qualidade do ensino e da investigação e para a redução do valor das propinas no caminho da gratuitidade, exige-se que no mínimo sejam integralmente compensados os cortes de 30% verificados desde 2009.
Atualmente, os orçamentos para o funcionamento das IES chegam apenas para pagar cerca de 80% da massa salarial, sendo os restantes 20% e todas as despesas de funcionamento exceto salários (gastos correntes; equipamentos laboratoriais e outros, manutenção de edifícios...) satisfeitos por verbas próprias, provenientes das propinas e dos overheads de projetos muito dependentes de programas competitivos com financiamento incerto.
Relativamente aos docentes e investigadores, este é um orçamento que não irá dar resposta aos problemas que se vivem há anos. Por exemplo:
- Precariedade: o PREVPAP não deu resposta ao problema e, mesmo a alguns dos poucos a quem era suposto ter sido regularizado o vínculo laboral, há processos que, inexplicavelmente, continuam a aguardar desfecho. O ministério das Finanças não homologa processos que foram deferidos, desrespeitando, mesmo, resolução do governo, sem dar qualquer explicação aos interessados. Inclusivamente, a OCDE já identificou a precariedade como dos principais problemas da Ciência em Portugal, afastando muitos investigadores. Acontece que o governo só dá ouvidos à OCDE quando daí pode retirar alguma vantagem.
- Rejuvenescimento do corpo docente: é uma necessidade ainda maior que nos ensinos básico e secundário. Mas para que esse processo de rejuvenescimento tenha lugar é necessária verba para a abertura de concursos para ingresso nas categorias de base das carreiras. Não nos pareça que esteja prevista.
- Respeito pelos rácios legalmente estabelecidos de profissionais nas categorias intermédias e superiores das carreiras: falta verba para as IES preencherem as vagas nestas categorias, o que significa que a lei continuará a ser desrespeitada.
Esta é, em termos gerais, a apreciação da FENPROF, em relação ao orçamento para o Ensino Superior e a Ciência, no âmbito do OE 2022. A não ser alterada a proposta do governo, as IES manter-se-ão subfinanciadas, as famílias continuarão a suportar uma fatia relevante do financiamento, a precariedade continuará a ser norma, em particular, na Ciência, e os responsáveis do MCTES, confirma-se, continuarão a ter pouco peso político no governo.
Face ao que é possível inferir e antes se expõe, a FENPROF considera que, não estando ainda fechado o OE 2022, aliás, nem se sabendo se irá ser fechado, o tempo é de propor, revindicar, agir e lutar. Será esse o caminho que, para já, neste período de discussão e votações do Orçamento do Estado, a FENPROF proporá aos docentes e aos investigadores.