A notícia da reactivação da comissão nacional de revisão da lista das doenças profissionais, da qual a CGTP-IN é membro, sendo positiva, contudo, o que nos foi dado a ver na primeira reunião, pouco sairá deste novo período de actividade, se não forem resolvidos problemas estruturais como a autonomia do departamento contra os ricos profissionais, o reforço dos seus meios, a integração de um grupo psicossocial de doenças profissionais, bem como um conjunto de alterações legislativas que efectivem, na prática, o direito à reparação dos trabalhadores vítimas de doença profissional. Nenhuma destas reivindicações está prevista no curto prazo.

profissional doencaApós vários anos de inactividade, no passado dia 23 de Abril teve lugar a primeira reunião desta nova fase da Comissão Nacional de Revisão da Lista das Doenças Profissionais, tendo a CGTP-IN assento nessa comissão, a par dos outros parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social, na qual se inclui ainda um vasto leque de organismos públicos com interesse na matéria.

O funcionamento desta comissão de revisão da lista de doenças profissionais constitui um instrumento fundamental no trabalho continuado de actualização de uma lista que deve acompanhar a evolução dos tempos, dos processos produtivos e do desenvolvimento das profissões e riscos a elas conectados. É nesta comissão que se aprova a realização dos trabalhos técnicos que visam identificar que doenças devem ou não integrar a lista das doenças profissionais, um instrumento de grande importância para a certificação, graduação e reconhecimento de uma doença profissional.

No actual sistema nacional de reparação de doenças profissionais, assente no departamento de riscos profissionais da Segurança Social, é a partir da lista das doenças profissionais que se faz grande parte do trabalho de reparação de uma doença profissional. Daí que, quanto mais doenças constarem dessa lista, maior probabilidade têm os trabalhadores de ver reparados os danos provocados por riscos laborais que, fruto das formas actuais de exploração do trabalho, têm resultado num crescimento continuado e sustentado das doenças profissionais.

Convém referir que a lista das doenças profissionais não é actualizada desde 2007, data em que foram actualizados apenas os grupos 3 (doenças cutâneas e outras) e 4 (doenças provocadas por agentes físicos). Por outro lado, desde 2001 que a lista passou a codificar as doenças aí integradas, permitindo, entre outras coisas, o seu tratamento estatístico, o que nunca se veio a verificar.

Com uma lista das doenças profissionais desactualizada, aos trabalhadores afectados por doenças profissionais emergentes, resultantes dos novos métodos de exploração do trabalho humano (trabalho com nanotecnologias, com agentes carcinogéneos, radiações e ritmos de trabalho física e mentalmente cada vez mais intensos), impostos por alterações tecnológicas, cada vez mais apartada da ideia de humanização do trabalho, só lhes cabe o recurso judicial, enfrentando vários anos de acções judiciais que visam provar que a doença foi contraída por causa exclusiva do trabalho.

Caso contrário, com uma lista actualizada e com as doenças profissionais emergentes devidamente tipificadas, os serviços do departamento contra os riscos profissionais da segurança social poderiam reconhecer doenças profissionais emergentes, libertando os trabalhadores do ónus da prova que lhes cabe quando a doença contraída não consta da lista das doenças profissionais.

Esta realidade é agravada por outras duas variáveis, resultantes de políticas de direita, socialmente cegas e penalizadoras de quem trabalha:

A extinção do antigo Centro nacional contra os ricos profissionais, transformando-o em departamento do Instituto de Segurança Social (ISS), sem autonomia e vítima da sangria de profissionais que no tempo da troica e do governo PSD/CDS teve lugar, levando a uma situação de sobrecarga dos trabalhadores restantes, perante um crescimento exponencial do número de participações de doença profissional que se verifica;

O insuficiente regime de apoio judiciário, que impede os trabalhadores com doença profissional de exercerem o seu direito de acesso à justiça e aos tribunais, sendo esse o seu último recurso quando a doença contraída não consta da lista das doenças profissionais e, em consequência, não é objecto de reconhecimento pelos serviços da segurança social, o que sucede quase sempre.

Com a publicação das alterações ao Código do Trabalho introduzidas pela Lei 73/2017, de 16 de Agosto, a segurança social ficou encarregada de introduzir as alterações na lista das doenças profissionais que permitam a reparação dos problemas de saúde resultantes do assédio moral e de outros ricos psicossociais. Ora, já nesta primeira reunião da Comissão Nacional de Revisão da lista das doenças profissionais, foi possível constatar que, pelo menos a curto prazo, não existe qualquer intenção de introduzir um novo grupo de doenças (ligadas ao foro psicossocial, por exemplo), o que frustra as legítimas expectativas de todos os que sofrem cada vez mais os danos psicológicos provocados por uma cultura empresarial cada vez mais predadora.

Assim, perante uma realidade em que os trabalhadores se confrontam com a alteração tecnológica e digital que traz consigo novas profissões, novos métodos de exploração do trabalho e consequentemente novos riscos profissionais; perante uma realidade em que os riscos profissionais mais comuns são os que estão mais relacionados com a organização do trabalho e, por isso mesmo, mais aptos a resultarem em doenças profissionais; perante uma realidade em que, na sua senda pelo lucro fácil, as empresas apostam na precariedade laboral e na pressão contratual para conseguirem baixar o custo do trabalho; o resultado é a emergência de novas doenças, de foro psicossocial, músculo-esquelético, carcinogéneo e outras que, não sendo objecto de integração na lista das doenças profissionais, deixam os trabalhadores muito desprotegidos quanto ao seu direito de reparação.

Perante esta situação a CGTP-IN exige:

O reforço dos meios afectos ao departamento contra os riscos profissionais da Segurança Social, dotando este organismo da capacidade necessária para uma actualização constante da lista das doenças profissionais e para uma resposta adequada às necessidades dos trabalhadores em matéria de processo de reconhecimento de doença profissional;

O cruzamento da actividade do departamento com a ACT e os serviços de inspecção, para que a primeira fase de combate seja a da prevenção e não da reparação, através da troca informativa, das empresas, sectores e actividades com maior incidência de doença profissional, obrigando essas entidades patronais à aplicação da lei, no respeito pelo direito à segurança e saúde no trabalho;

A alteração do regime de reparação das doenças profissionais e da lista, de forma a poderem integrar-se na lista doenças do foro psicossocial comprovadamente resultantes do trabalho, bem como a aplicação ao processo de reconhecimento da doença profissional, do regime previsto no Código do Processo do Trabalho para a reparação dos acidentes de trabalho – dando lugar a uma fase conciliatória entre o participante da doença e a Segurança Social, evitando que esta aja como juiz em causa própria;

Dotar a Direcção Geral de Saúde de meios para a implementação de um plano nacional de saúde nos locais de trabalho que faça do combate aos factores de doença o seu vector fundamental, articulando esta acção com o combate à precariedade, aos ritmos de trabalho intensos e à desregulação do tempo de trabalho, obrigando as empresas à aplicação de planos de saúde ocupacional que humanizem o trabalho e o organizem no respeito pela centralidade que o ser humano nele deve ocupar;

À publicação de estatísticas fiáveis relativas a doenças profissionais, uma vez que para além da falta de meios do departamento contra os ricos profissionais da segurança social, nenhuma outra razão subsiste que possa justificar a sua inexistência.

SST/CGTP-IN
Maio/2019