urbanO Acordo de Parceria 2014-2020, os seus eixos prioritários, prioridades de investimento e respectivos envelopes financeiros apresentados, não podem ser dissociados dos objectivos traçados pela União Europeia de unificação do mercado interno e liberalização dos mercados e serviços públicos, nomeadamente ao nível dos transportes e da energia, assim como de promoção da flexibilidade e mobilidade do trabalho, sendo os fundos estruturais e de investimento um instrumento para atingir esses objectivos.

O actual período de programação 2014-2020 fica claramente ao serviço da Agenda de Lisboa – hoje Estratégia Europa 2020 –, uma agenda virada para a competitividade, que relega para segundo plano a coesão e convergência real dos países e regiões, assim como os aspectos de valorização territorial e de redução das assimetrias regionais. O QREN já tinha sido condicionado em cerca de 2/3 ao cumprimento desta agenda. O actual Acordo de Parceria leva as coisas ainda mais longe, no sentido de garantir as condições de rentabilidade do capital, não só via incentivos, mas também pela entrega a lógicas de rentabilização privada de infraestruturas públicas essenciais.

Como no passado, não existe um verdadeiro plano de desenvolvimento para o país, uma vez que as prioridades são estabelecidas por «Bruxelas», acabando por condicionar o investimento publico existente. Por isso, existem condicionalidades ligadas ao cumprimento de todos os mecanismos existentes (Semestre Europeu, Pacto de Estabilidade e Crescimento/Tratado Orçamento e Mecanismos de Desequilíbrios Externos), para além do memorando da Troica, transformando os fundos comunitários em instrumentos de financiamento dos programas nacionais de reforma.

A submissão das políticas nacionais aos interesses da União Europeia em diferentes domínios, através de um sistema de condicionalidades ex-ante e de condicionalidades macroeconómicas, a não ser modificada, vai retirar ainda mais espaço à definição das políticas nacionais de acordo com as necessidades do país e acentuar o modelo de crescimento assente nos baixos salários, na precariedade do emprego e na mão-de-obra pouco qualificada, que após quatro períodos de aplicação de fundos se traduziu em destruição do aparelho produtivo nacional e em regressão económica e social. Estes resultados são fruto de escolhas erradas na aplicação das verbas, situação que tem que ser profundamente alterada no actual período.

II. O país enfrenta um conjunto de problemas económicos e sociais que põem em causa a sua sustentabilidade económica, financeira, social e demográfica e são aqueles a que os fundos estruturais e de investimento têm que dar resposta, designadamente:

§ Um nível insuficiente da procura interna que impossibilita a utilização plena da capacidade produtiva instalada, dificulta a venda da produção, levando à falência muitas empresas, e desincentiva o investimento privado, num quadro em que a esmagadora maioria das empresas vende para o mercado interno e não exporta;

§ O predomínio de produções de baixo valor acrescentado - assentes trabalho não qualificado, precário e mal pago - e cada vez mais remetidas para uma posição periférica;

§ O desinvestimento e destruição do sector produtivo nacional, nomeadamente da indústria, agricultura e pescas;

§ A quebra continuada do investimento público, seja no sector produtivo, seja nos serviços públicos;

§ Os elevados níveis de desemprego, que determinam a destruição da principal fonte de criação de riqueza do país, limitam o potencial de crescimento do produto e a procura interna, por via da diminuição dos rendimentos, potenciando ao mesmo tempo o aumento do défice público;

§ A emigração massiva de jovens, muitos dos quais qualificados, ao mesmo tempo que grande parte da mão-de-obra e do patronato tem baixas qualificações;

§ A diminuição acelerada da população, quer por via da emigração, quer da diminuição da população;

§ O insustentável nível atingido pela dívida que, a não ser renegociada nos montantes, juros e prazos de pagamento, continuará a impedir o crescimento da economia, por via de elevados recursos canalizados para o pagamento de juros.

§ A deficiente infraestruturação do país ao nível de equipamentos logísticos de apoio à produção e aos transportes, nomeadamente da linha ferroviária existente;

§ Os elevados custos de contexto existentes, nomeadamente ao nível da energia e comunicações, em paralelo com um elevado nível de intensidade energética do produto nacional.

§ As elevadas e crescentes assimetrias regionais, agravadas pelo encerramento de empresas e serviços públicos.

III. Neste quadro, a CGTP-IN considera que os fundos estruturais e de investimento no período 2014-2020 devem ter como objectivos essenciais:

§ Promover o crescimento económico e a criação de emprego de qualidade;

§ Aumento da produção nacional para substituir importações, aumentar as exportações e diminuir a dependência externa;

§ Reconversão industrial, melhoria do ambiente e redução da intensidade energética;

§ Melhoria dos serviços públicos;

§ Melhoria da educação e aumento das qualificações;

§ Diminuição das assimetrias regionais;

§ Redução da pobreza e exclusão social;

§ Reabilitação urbana e preservação do património cultural.

De modo a alcançar estes objectivos devem ser definidas as seguintes áreas de intervenção prioritária:

a) Desenvolver e modernizar o sector produtivo, através dumplano estratégico de desenvolvimento, numa lógica de fileira nacional, com clusters regionais, que inclua a agricultura, as pescas e a reindustrialização, não esquecendo os sectores de ponta e com potencial de crescimento, como por exemplo as energias renováveis, promovendo a especialização produtiva em sectores de alto valor acrescentado. Prever apoios e estruturas destinadas ao escoamento dos produtos e logísticos de apoio à produção, designadamente na agricultura e pescas;

b) Apoio significativo ao desenvolvimento de um sector de empresas de bens transaccionáveis, para substituir importações e aumentar as exportações;

c) Redução das assimetrias regionais, através de planos integrados de desenvolvimento regional com a participação dos vários intervenientes regionais e locais;

d) Aumento do investimento público em infraestruturas, nomeadamente na ferrovia (passageiros e mercadorias) e nos portos, que inverta o desequilíbrio existente a favor da rodovia, patente quer no movimento de passageiros, quer no de mercadorias, e do transporte individual. Os equipamentos e a exploração dos serviços deve ficar sob propriedade e gestão públicas, pondo-se fim às privatizações actuais ou futuras;

e) Aumento da formação e qualificação profissional dos portugueses (em especial dos menos qualificados), incluindo formação de reconversão e formação em profissões de sectores de ponta. Terá por base diagnósticos de necessidades ligadas a um modelo de desenvolvimento da economia portuguesa que tenha por objectivo melhorar as qualificações dos trabalhadores portugueses;

f) Programas de apoio à integração de jovens qualificados nas empresas, baseados em levantamentos de necessidades junto das mesmas e através da contratação sem termo;

g) Reforço da educação pública e de qualidade, que garanta a formação integral das crianças e jovens desde os níveis mais precoces de ensino até ao ensino superior e não sobrecarregue as famílias com os custos da educação.

h) Investimento na habitação e reabilitação urbana, a partir de planos elaborados em coordenação entre o Estado, as autarquias e as populações que recupere as habitações degradadas e as cidades, que promova um mercado social de arrendamento, repovoe os centros históricos e supra carências de habitação, contribuindo para melhoria das acessibilidades e condições de vida no espaço urbano;

i) Melhoria dos serviços públicos e da Administração Pública, através de investimento nos serviços e da formação profissional dos trabalhadores

j) Investimento público em creches, jardins-de-infância e estruturas de acolhimento de idosos,que ficarão sob gestão pública.

Na nossa opinião o Acordo de Parceria proposto pelo Governo (versão de Janeiro de 2014) não dá resposta a estes problemas, nomeadamente porque opta fundamentalmente pelo apoio ao sector exportador, omitindo que a maioria das empresas portuguesas produz para o mercado nacional, o que favorecerá sobretudo as grandes empresas e grandes grupos económicos; secundariza a criação de emprego, sendo este tratado como uma variável de ajustamento, apenas remetida para medidas activas de emprego e formação; orienta os fundos sobretudo para as empresas em detrimento do investimento nos serviços públicos, sejam eles de âmbito nacional, regional ou local; não dá resposta ao problema das assimetrias regionais.

A promoção de parcerias público-privadas e os incentivos de promoção empresarial passam a ser objectivos dominantes deste quadro, sendo que a parte significativa a crescer encontra-se virada para a promoção da flexibilidade e mobilidade laboral e em modificações significativas dos sistemas de ensino/formação ao serviço dessa mesma estratégia.

O Governo faz, no Acordo de Parceria, uma opção clara de penalização do investimento público ao reduzir a alocação do FEDER e Fundo de Coesão a projectos de investimento público em detrimento de um reforço de verbas destinadas ao incentivo ao investimento empresarial (conforme se afirma na pág 177), opção de que discordamos. O país tem ainda muitas necessidades de investimento público em várias áreas, que vão desde infraestruturas, transportes e serviços públicos, mas a percentagem da FBCF no PIB prevista no Acordo de Parceria é de apenas 1,7% em média entre 2014 e 2020.

Para a CGTP-IN os fundos estruturais e de investimento no período 2014-2020 devem ser fonte de progresso económico e social, ajudar a superar os problemas estruturais do país e a melhorar as condições de vida e de trabalho dos portugueses e não ser submetidos aos interesses da União Europeia. A elaboração dos programas operacionais deve pois ser a mais participada possível e as opiniões de todos devem ser tidas em conta, em especial os trabalhadores, as populações e o poder local, pela sua proximidade aos problemas e necessidades do país.

IV. Propostas concretas da CGTP-IN no âmbito do Acordo de Parceria e programas operacionais

1. Os apoios a atribuir deverão diversificar a base produtiva, bem como orientar-se para os bens e serviços transaccionáveis na lógica de substituição de importações e não apenas ou sobretudo para aumentar as exportações.

2. Os apoios, nomeadamente em relação às empresas, devem assentar em contratos-programa com objectivos claros, não só de natureza financeira, mas fundamentalmente físicos (por exemplo, criação de emprego, aumento das qualificações e seu impacto a nível de emprego, progressão da carreira, redução da precariedade do emprego, investimento realizado/gerado, aumento de produção e vendas, substituição de importações, alteração do perfil tecnológico, aumento das exportações, aumento da produtividade e competitividade das empresas, entre outros). Devem incluir metas de natureza física exigentes, com horizonte temporal bem definido e periodicamente controladas.

3. Ainda relativamente aos projectos submetidos pelas empresas, defendemos a consulta prévia às organizações representativas dos trabalhadores (delegados sindicais e/ou comissões de trabalhadores da empresa beneficiária) sobre os projectos a submeter, bem como um parecer anual sobre a execução do projecto e um no seu encerramento.

4. Os programas de apoio à contratação devem ser baseados em levantamentos de necessidades junto das empresas e apoiar a contratação sem termo.

5. No caso da formação profissional, os apoios devem estar vinculados ao cumprimento do número mínimo de horas de formação por trabalhador (direito à formação consagrado na legislação do trabalho).

6. Deve também haver publicitação dos apoios, dos montantes e objectivos a atingir e criação de base de dados de acesso público com todos os dados relevantes para acompanhamento (defendemos uma base de dados nacional única que também que também possa ser desagregada em termos regionais).

7. Os empregadores para se poderem candidatar a apoios devem cumprir, entre outros os seguintes requisitos: têm que ter a situação regularizada no que respeita a apoios comunitários ou nacionais; ter a situação contributiva regularizada perante a administração fiscal e a segurança social; não podem encontrar-se em situação de atraso no pagamento de salários; não lhes pode ter sido aplicada sanção por contra-ordenação grave ou muito grave por violação da legislação do trabalho e discriminação no trabalho e no emprego.

8. O futuro programa operacional deve definir um conjunto de indicadores não apenas financeiros mas também físicos que permitam fazer a avaliação do impacto da execução referida atrás.

9. A comissão de acompanhamento, que o documento afirma vir a continuar a existir, deverá ter membros efectivos de todos os parceiros sociais, reunir trimestralmente para fazer a avaliação do impacto da execução financeira e física do programa operacional e corrigir atempadamente erros e objectivos. Deve também ultrapassar-se o modo de funcionamento burocratizado e, em muitos casos, meramente sancionatório das opções do Governo/autoridade de gestão que tem caracterizado os períodos de programação anteriores, em que o peso da administração pública é desproporcional face às outras entidades, nomeadamente os parceiros sociais. A CGTP-IN entende ainda que a participação deve começar na própria elaboração do programa e dos regulamentos necessários a cada programa e medida.

10. No que diz respeito à educação, os fundos deverão permitir alargar e melhorar a rede de escolas públicas.

Se nada for feito relativamente à melhoria das escolas e aos apoios sociais, o abandono escolar crescerá ainda mais. Há que aumentar significativamente o número de bolsas a estudantes do ensino superior e alargar os apoios aos alunos do ensino básico e secundário para fazer face a despesas com aquisição de livros, transporte, entre outras.

11. Em relação à qualificação e requalificação de adultos, nomeadamente daqueles que caíram no desemprego de longa duração e que perderam as reduzidas qualificações profissionais que possuíam ou que as que têm já não são adequadas ao perfil produtivo que se pretende, há que criar planos de emergência para os requalificar, em articulação com as empresas para que a formação dada corresponda efectivamente a necessidades reais do tecido produtivo.

12. Quanto à Administração Pública, consideramos que não é possível torná-la eficiente sem os meios necessários, quer materiais quer humanos, e sem motivação e qualificação dos trabalhadores. Para aumentar a eficiência da Administração Pública é necessário inverter o quadro de degradação verificado nos últimos anos, criar condições para que os quadros mais experientes e qualificados não a abandonem prematuramente (aposentações antecipadas) e para atrair quadros jovens altamente qualificados, assim como proceder a automatização de processos e de informação/comunicação aos contribuintes, e apostar na formação e qualificação dos trabalhadores. Isto só se consegue com a existência de uma carreira profissional correctamente valorizada, com a eliminação da instabilidade permanente a que tem estado sujeita a Administração Pública (alteração todos os anos das leis, ataques aos direitos dos trabalhadores, congelamento e cortes nas remunerações, e mesmo apropriação dos subsídios de férias e Natal, etc.).

É importante ainda apostar na descentralização e proximidade dos serviços, o que é incompatível com a política de fecho de inúmeros serviços, como as escolas ou serviços de urgência nocturnas dos centros de saúde. Assim, uma parte dos fundos deve ser usada na modernização dos vários serviços da Administração Pública.

13. Outra das prioridades deverá ser o aumento de investimento público em creches, jardins-de-infância e estruturas de acolhimento de idosos, que ficarão sob gestão pública.

14. Para aumentar a eficiência energética é indispensável que operar uma mudança para transportes públicos mais sustentáveis e utilizadores de energias renováveis, sendo para tal fundamental que as empresas públicas de transportes sejam beneficiárias de fundos com esta finalidade (e que não se privatizem). A Administração Pública deve também ter financiamento com esta finalidade destinado a edifícios, equipamentos e iluminação pública.

15. No capítulo da reabilitação urbana, deve prever-se a requalificação de bairros sociais, já que alguns deles se encontram em avançado estado de degradação, colocando em causa a segurança das famílias aí alojadas.

CGTP-IN

Março de 2014